Crítica | Travis Scott - ASTROWORLD
Se o parque fictício que Travis da vida nesse álbum conceitual, inspirado no finado Six Flags AstroWorld de Houston, fosse real, contaria com fonte inesgotável de criatividade e talento em produção e composição. "ASTROWORLD" conta com tantas colaborações importantes de artistas em ótimo momento que os créditos parecem alguma forma de fan-made fantasiosa.
Se em 2014 Scott fez muito com pouco em sua segunda mixtape “Days Before Rodeo”, no planejamento desse álbum teve todos os recursos em suas mãos para montar a produção perfeita e dar razão ao sentimento de que ele, ao contrário do que muitos pensavam depois do seu último lançamento, tem sim potencial para ser um dos melhores rappers de sua geração.
E com certeza não poupou esforços para fazer isso acontecer, indo diretamente ao ponto e chamando somente grandes nomes em evidência para suas participações e também para a produção em geral dos arranjos. Hit-Boy, WondaGurl, FKi, Kevin Parker (Tame Impala), Nineteen85, 30 Roc; a escolha dos produtores nesse caso diz muito sobre o tom que Travis queria para o álbum, um álbum direto, com criatividade rítmica e mudanças harmônicas.
"ASTROWORLD", tudo em letras maiúsculas - como é a tendência estética em alguns álbuns nessa segunda parte de década - é o terceiro álbum de estúdio de Travis, sucessor do tão popular “Birds in The Trap Sing McKnight”, de 2016. Apesar do gap de dois anos entre um lançamento e outro, Scott nunca saiu de fato dos holofotes da indústria, tendo colaboração constante em músicas de outros artistas de prestígio e, além disso, tendo lançado um discreto álbum em conjunto com Huncho Quavo no final do ano passado.
Já faz uns anos desde que o autotune deixou de ser altamente criticado e demonizado, agora é socialmente aceito como uma opção de timbres e texturas para a voz. É assim que "ASTROWORLD" começa, com Trav e sua marca registrada, o forte autotune dando ainda mais força as bars de “STARGAZING”. A faixa começa com um pad clássico de trap abafado, a primeira parte é interrompida pela mudança de beat menos discreta do universo, o pad é simplesmente cortado abruptamente e, depois de meio segundo de silêncio, um arpegio frenético toma conta da beat e dá a energia necessária pra realmente começar o álbum com uma boa abertura.
Assim quando a beat é interrompida, já dá início a segunda faixa do disco, “CAROUSEL” que tem a participação de Frank Ocean nos refrões e em parte do segundo verso. Um órgão também abafado faz o loop dá música juntamente com um sub-bass nada discreto, a entrega um pouco apática de Travis faz contra-ponto ao segundo verso entusiasmante e cheio de notas altas de Frank.
A transição dessa vez é tão discreta e perfeita que – realmente – soou como uma beat change de verdade, “SICKO MODE” começa com o mesmo órgão de igreja, algumas camadas de voz, e acordes mais prolongados, a participação dessa vez é Drake, que faz a introdução da música até a parte em que, novamente, é interrompida, e a beat muda drasticamente, Scott dessa vez faz uma entrega perfeita, depois de um belo verso, a beat muda discretamente pela terceira vez na faixa, Drake volta para alguns últimos versos, e um curto dueto com Travis. A beat eventualmente desacelera novamente e engrena perfeitamente com a próxima faixa “R.I.P SCREW”.
“STOP TRYING TO BE GOD” começa com Cudi cantarolando por cima do refrão da música e uma batida muito minimalista, a entrega de Travis é um tanto diferente nessa, com uma postura mais lúcida, mas madura do que nas outras faixas. Quem toca a gaita que figura em vários momentos da beat é ninguém menos do que Stevie Wonder. Na última parte da música, James Blake pausa as baterias e seu timbre inconfundível toma as rédeas das musica e encerra de forma magistral fazendo dueto com Cudi por cima de um solo de gaita de Stevie.
A história encontra seu seguimento com a música “NO BYSTENDERS”, além de dar seguimento a história do álbum, o ritmo alto é reencontrado, Juice WRLD em autotune e um coral em uníssono fazem do refrão uma das partes mais empolgantes do disco. Não é a faixa mais experimental e mais interessante do disco, mas dá uma sobrevida a quem esperava mais bangers do rapper.
“SKELETONS” tem a produção já caracterista de Kevin Parker (Tame Impala), bateria com sua mixagem única e o cravo tocando o riff sutil que dá tom a música, Travis, The Weeknd e os backing vocals de Pharell fazem dessa música algo inusitado e fora da curva pros padrões de Scott. A música é praticamente um interlude pra próxima que também conta com The Weeknd e Pharell “WAKE UP” começa com um riff de violão que casa de forma perfeita com os vocais de Abel.
A impressão que passa a essa altura do álbum é que La Flame recheou o álbum com features incríveis para dar a impressão que as vezes é um convidado no próprio álbum, os features e a produção tem o centro das atenções da maioria das músicas, a entrega de Scott muitas vezes é mínima e não exige muita criatividade ou ousadia do rapper.
“5% TINT” é mais uma entre tantas faixas com uma ambiência esquisita e psicodélica no fundo, dessa vez o que parece ser um reco-reco com toneladas de reverb e sem muitos agudos, o riff do piano que acompanha por quase toda a duração da música é interrompida com uma sessão de Rhodes, outros tipos de pads, uma voz sintetizada e alguns samples distorcidos. Mais uma mudança de beat repentina num álbum tão fluido.
21 Savage entrega talvez o melhor feat de ASTROWORLD, “NC-17” dá a cadência e o finesse que a Trap Music precisa pra se reinventar, o sample de teclado em tom menor dá a dinâmica necessária pra ser uma das produções mais impressionantes no álbum inteiro. “ASTROTHUNDER” é uma música curiosa, produção de Thundercat e John Mayer, a marca registrada de Thundercat é óbvia, a linha de baixo aguda é um mantra que nos deixa com os pés no chão enquanto a guitarra espacial e irreconhecível de Mayer nos faz praticamente ver estrelas, a entrega de Travis é decepcionante, em contraponto.
O riff de guitarra de “YOSEMITE” é influência direta do lindo timbre que aparece em algumas faixas de “Days Before Rodeo”, mas as coincidências terminam por aqui, a proposta da produção é completamente contrária, “YOSEMITE” é uma música lenta em comparação com as outras aqui, praticamente uma balada se não fosse pelos hi-hats de trap constantes
Um dos refrões mais lindos desse projeto encontra-se em “CAN’T SAY” produção de Ocean, uma das letras menos impressionantes do disco (sendo educado nas palavras), um pouco parecida com a música anterior tem um BPM um pouco mais baixo, e fica ainda mais baixo quando a música desacelera por alguns segundos – algumas vezes – nessa mesma música.
Precisamos falar sobre a produção, a excesso de batidas com recursos não ortodoxos, quebradas de tempo, beat changes e até mesmo as ambiências esquisitas que ouvimos durante quase todas as músicas, não pode e provavelmente não é coincidência e nem uma tendência forte na indústria até agora, Travis visivelmente escolheu a dedo as produções e produtores para dar vida a ASTROWORLD
“WHO? WHAT!” parece uma tentativa de emplacar um hit, batida banger, feat dos Migos, mas não empolga em nenhum momento, deveria ter ficado de fora do projeto. Juntamente com o primeiro single, lançado ano passado “BUTTERFLY EFFECT”, pouco cativa, e entra num lançamento já sendo overplayed.
A faixa que encerra o álbum “COFFEE BEAN” flerta fortemente com o R&B experimental dos anos 00’s, e também é a única faixa sem nenhuma participação, Travis dá conta de apresentar com sucesso uma proposta de música diferente, uma entrega mais introspectiva por cima de uma bateria groovada e guitarra e baixo mínimos proporcionando um dos riffs mais bonitos do álbum. A nova proposta de Travis também conta com um elemento de surpresa, a transparência vista nos versos dessa faixa não apareciam nas letras do rapper há muito tempo (se é que um dia apareceram).