Crítica | Limite (1931)

DE VOLTA PRO MAR

Obra prima de Mário Peixoto sintetiza origem e futuro de um cinema à deriva


Limite, fronteira física que divide o espaço (um muro, um rio, uma cadeia de montanhas) o tempo (dias, minutos, segundos) ou mesmo conceitos abstratos - quantas vezes você chegou ao limite da paciência, da dor, ou de qualquer outra emoção e/ou sensação?

É ao mesmo tempo poético e extremamente apropriado que o primeiro grande filme do Brasil chegue atrasado para o limiar de uma arte que aprendia a falar, e que seu nome e seu conteúdo sejam justamente sobre esse limiar. Filme moderno que se recusa a abrir a boca. Filme literal que insiste em existir apenas por imagens

Mas o impasse de Limite como este filme espectro do cinema brasileiro vai além. Em seu livro A Odisseia do Cinema Brasileiro, Laurent Desbois traz uma metáfora curiosa: em constante inconstância, o cinema nacional parece acompanhar o balanço das águas do navio chamado Brésil que trouxe para cá o Cinematógrafo dos Lumière, em 1898.

É com esse enjoo do mar que o único filme realizado por Mário Peixoto, figura enigmática e problemática na mesma medida, prossegue suas quase duas horas, em um pequeno barco que parece abarcar a amargura de uma vida. Ou, no caso, de três.

Pouco se qualquer coisa pode ser concretizado a partir da abstração de Limite, que tão cedo como 1931 já parece empenhado em romper com convenções que movimentos modernos posteriormente se encarregaram de desafiar, é de onde vem suas influências. Ao fabricar uma carta supostamente escrita por Sergei Eisenstein sobre o filme, Peixoto deixa claro suas intenções: planos feitos não para mostrar uma história linear, mas para construir sensações. Porém se Eisenstein usava a teoria para fins objetivos, para construir cenas por meio de planos distintos, Peixoto usa o mesmo meio para desnortear, ao passo que a interioridade dos planos aponta para uma exaustão destes sentimentos.

Quando vemos os olhares que beiram a loucura contemplando a vastidão do mar, Peixoto entrega as sensações, aponta para o limite que parece se aproximar. Este limite está no barco, está na união de céu e mar ao horizonte, está na recriação de memórias por meio de fragmentos.

Assisti o filme apenas uma vez, quatro anos atrás, e escolhi não revê-lo para este texto. Ao invés disso, fui atrás de textos e artigos, me emergindo um pouco no folclore de nosso filme mais místico. Que, por muitos anos perdido, me parece destinado para uma única visita que, assim como a câmera que Peixoto queria afogar no mar junto ao relógio, demarca as linhas borradas de um limite que cada vez fica mais difícil de ser discernido.

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