Crítica | Sable, fable - bon iver
Sobreviver para renascer
Justin Vernon é um dos casos mais singulares da música contemporânea: um artista experimental e pioneiro que, paradoxalmente, é estigmatizado justamente por não ser completamente compreendido (tantos seus meios, quantos seus fins).
Fielmente defendo que ele é um dos maiores músicos da nossa geração, e tento espalhar a palavra para todos próximos a mim: Ele mudou o folk de forma que ninguém ousou repetir a fórmula em For Emma e Bon Iver, Bon iver, conciliou ambientalismo e música eletrônica (22, a million; I,I) e transformou isso em uma obra completamente imersiva palpável, inundada de sentimentalismo.
Todavia, sinto que parte do público ainda o reduz a rótulos superficiais: “músicas exclusivamente de término”, “uso excessivo de metáforas”, “efeitos vocais em demasia”. São alegações infundadas mas compreensíveis até certo ponto, que talvez expliquem por que Bon Iver nunca acessou por completo o mainstream, apesar de sua influência ser sentida em praticamente toda a música alternativa do século XXI e provavelmente em seu artista favorito também.
Desde o primeiro segundo de “Flume”, em For Emma, Forever Ago (2007), ficou claro pra mim que a música de Vernon nunca foi sobre vivência - mas sempre sobre sobrevivência. Sobre transformar a dor em arte, sobre personificar cada palavra, cada arranjo, e fazer da voz um instrumento abstrato, sem formato ou limitação, para refletir a si mesmo e, só então, observar, entender e perdoar.
Quase vinte anos depois, Justin Vernon continua vivendo por essa mesma regra, mas agora não mais à sombra arbórea e mística do luto que o acompanhou nos seus primeiros trabalhos - e sim na claridade da cura (“No, we don't need no window curtains, And we can let the light come in”).
SABLE, fABLE (2025), álbum dividido em dois atos, é o retrato pacífico e condescendente de Vernon. Na primeira metade, SABLE, nos deparamos com uma atmosfera densa, introspectiva e dolorida. São faixas minimalistas, que, entre field recordings e vocais sentimentalistas, criam uma atmosfera esparsa paralisante que nos direciona ao seu trabalho lírico mais cru e poético.
Já fABLE, a segunda parte, é seu oposto complementar: mais iluminada, mais melódica, mais direta. Aqui surgem as batidas eletrônicas, sintetizadores etéreos e harmonias vocais que rumam ao infinito, em dos momentos mais catárticos que já vivenciei ouvindo música (Short Story) - nada tem um fim, tudo recomeça.
A alternância entre esses dois mundos não só reflete musicalmente duas fases da carreira de Vernon e as une mas também emociona como nunca emocionou. É uma capacidade de perdão admirável. É uma compreensão da falta de controle dessa vida que só se adquire sobrevivendo até se curar.
“Oh, how everything can change
In such a small time frame
You can be remade
You can live again
What was pain now’s gain
A new path gets laid
And you know what is great
Nothing stays the same”
“First thing is just be watched
Time heals, and then it repeats
You will never be complete
And the strain and thirst are sweet
You have not yet gone too deep”