Crítica | On The Rocks (Apple TV+)

critica on the rocks

Sofia Coppola parece gostar de alternar entre filmes que enchem seu coração de calor e aconchego, e outros que te dão tapas e te fazem engolir seco.

em um ano desses, fico feliz de dizer que “On The Rocks” está na primeira opção.

Poucos diretores sabem fazer um cinema tão gostoso de se assistir como o de Coppola: refinada na hora de construir as cenas, mas sútil e agraciada por um ritmo envolvente, a cineasta sabe extrair emoções e sensações do cotidiano, do frívolo, e isso nos faz relacionar ainda mais com seus personagens multicoloridos. Aqui, acompanhamos a vida da escritora, mas agora mãe de duas meninas, Laura Keane, que começa a desconfiar da fidelidade do marido e é encorajada pelo pai, rico e aventureiro, a investigar.

De cara, parece que mergulhamos em um filme de Noah Baumbach. Ela é escritora, seu pai vende obras de arte. Seu marido, que presumimos como o vilão da história, trabalha com tecnologia, um semi-oposto quase natural. Eles vivem uma vida boa e não passam qualquer necessidade. Não me levem a mal, não há nada de errado nisso, mas é curioso constatar o drama existencial que vivem este tipo de personagem e outros em filmes de, vejamos, Spike Lee e Lynne Ramsay. Isso não torna suas dores menores, ou seus problemas menos importantes, existem sete bilhões de pessoas no mundo e quanto mais filmes para representar cada uma delas, melhor.

Mas, é claro, que a empreitada de Laura pode soar como um White people problem, a não ser pelo fato de que ela é bi-racial e seu marido é um homem negro, o que, acredito, faz parte da estratégia de Coppola em nos fazer repensar nossa própria visão de mundo. Não estamos acostumados a ver minorias vivendo vidas tranquilas no cinema, e essa é uma forma legítima e muito bem vinda de representá-las.

Além disso, poucas coisas mexem mais com o emocional do ser humano do que a infidelidade do parceiro/a. Portanto, podemos imediatamente nos colocar ao lado de Laura, interpretada por Rashida Jones com afeto, mas, principalmente, com um semblante cansado e preso - este último o sentimento que rege a obra prima de Coppola, e um de meus filmes favoritos, “Encontros e Desencontros”. Laura é uma escritora com bloqueio criativo, que prefere escrever a noite, mas está muito exausta para fazê-lo. Seu apartamento é grande, mas a bagunça parece a deixar com caminhos estreitos, enquanto seu escritório espaçoso chega a soar quase vazio, impessoal. Além do design de produção, crucial em comunicar seu estado de espirito, seu guarda roupas também a define: volta e meia nos pijamas mais confortáveis e menos sensuais, mesmo quando arrumada chega a ser convencional (reparem no vestido amarelo, que parece até um número maior que o dela), e com uma maquiagem que parece ser apenas o suficiente - diferentemente do marido, sempre em um terno aparentemente feito sob medida.

E Rashida brilha nessas condições, tanto que nunca deixamos de enxergar o que seu pai nela enxerga: uma mulher forte, linda e mais do que especial, presa em um momento complicado da vida. Algo que Coppola comunica, também, repetindo cenas do cotidiano da escritora, ilustrando como ela está presa nele e remetendo à outro filme em especial, cujo outro ator presente neste filme tornou um clássico (“Feitiço do Tempo”, no caso). Falando dele, Bill Murray está mais charmoso e carismático do que nunca como o pai de Laura, provando que a idade lhe caiu bem e divertindo sempre que em cena. Curiosamente, não fosse a cor, ele seria uma representação excelente de Quincy Jones, pai de Rashida, e também um famoso Bon-vivant. A química entre os dois é palpável, quase real, pois não é difícil perceber que todas suas ideias malucas são uma desculpa para passar mais tempo com ela, ao passo que a própria atura as atitudes do pai sem querer gerar um conflito desnecessário e estressante. Em pelo menos três passagens os envolvendo cheguei a me emocionar, incluindo uma onde Murray leva um policial na conversa (prestem atenção no olhar emocionado que ele provoca no jovem).

Embora não seja o tipo de filme que a Academia goste de premiar, muito menos as atuações, adoraria ver a dupla, e a própria Coppola, indicadas por seu trabalho aqui.

Porém “On The Rocks” não parece preocupado com grandeza. Talvez o filme menos ambicioso de sua diretora, ele acaba se prejudicando justamente por cometer um exagero - envolvendo uma viagem para o México -, que por pouco não sacrifica toda sua sutileza em prol de uma catarse que nunca vem. E é justamente aqui que Coppola me pega, pois não sei se torci para um final, que não aconteceu, por ser dramaticamente mais carregado, ou se fui subconscientemente levado a acreditar nele por conta da reputação de Marlon Wayans (no papel de Dean, marido de Laura). Ainda assim, sinto como se um argumento quanto a falta de libertação de Laura pudesse ser feito, pois em 2020, é muito mais feminista a mulher se tornar 100% independente do que encontrar no amor e na família o ingrediente que falta.

O que, na opinião do homem - nem sou isso ainda - que escreve essa crítica, é uma limitação machista do que uma mulher deve, ou não deve fazer para ser feliz. Sofia Coppola, uma das melhores diretoras em um meio dominado por homens, expressa isso como poucos.

8

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