Sou do Contra, e Agora?
Há uma expressão que eu e outros escritores deste site usamos constantemente por mais que nunca a coloquemos em nossos textos.
Do contra.
E por mais que, por ser de uso comum, não necessite de explicação, ela tomou um sentido relativamente específico quando a utilizamos para arte: qualquer álbum, filme, série, etc, que um de nós tenha uma opinião contrária à da maioria - seja de público, seja de crítica, seja de ambos - entra em uma lista inexistente no catálogo de avaliações daquela pessoa e porque isso é importante?
Bem, pense desta forma: o filme mais aclamado da história do cinema atualmente (e de acordo com a pesquisa decanal Sight & Sound) é “Vertigo” de Alfred Hitchcock, lançado em 1958. Vamos dizer que um crítico ou estudioso da sétima arte decida se posicionar contra a percepção comum acerca do longa e o declare como ruim. A não ser que esta pessoa escreva uma tese acadêmica acerca de sua opinião, ela praticamente não vale de nada, pois por mais que a qualidade em cinema - e da arte em geral - seja, sim, subjetiva, há um consenso acerca do que é considerado bom e quando a esmagadora maioria dos envolvidos com tal arte chegue o mais próximo possível deste consenso - que nada mais é que uma soma de formas individuais de se pensar e assunto para outro texto -, isso acaba se tornando verdade. Por mais que não realmente imutável, porque quando se fala de arte nada é, tal consenso se torna, sim, a verdade menos mutável possível.
É claro que há sempre os detratores e as frases a seguir são comuns (e ofereço respostas e analogias para cada uma delas):
Mas eu não gosto e pronto!
Ninguém disse que tem de gostar, disseram que é bom. Sou torcedor do Internacional de Porto Alegre, gosto dele por motivos pessoais, mas jamais o classificaria como o melhor time do mundo, pois elementos técnicos me impedem de fazer isso sem estar errado.
Ah, mas é bom pra mim, então é bom!
Ótimo, então não compre argumento com ninguém sobre qualidade, pois se o que vale é ser bom dentro das regras de Fulano de Tal, então continue no seu mundo paralelo. Imagine que decidi que, para mim, a banana não é mais uma fruta e sim uma verdura. Esta se torna a minha verdade e só minha. Resultado? Sou um idiota.
Cada um tem sua opinião, arte é subjetiva.
*Ler o parágrafo lá em cima* Claro que cada um gosta do que quer e claro que arte é subjetiva e claro que cada um tem sua opinião, mas se você julga todas as opiniões com o mesmo peso se coloque nesta situação: digamos que o crítico/diretor/estudioso de cinema é um médico que faz 10 cirurgias de joelho (ou assiste à 10 filmes) por semana, estuda, lê e passa horas envolvido com sua área. E digamos que você necessita de uma cirurgia no joelho, mas seu amigo que viu três videos de cirurgia no Youtube (ou assiste à três filmes, digamos, por mês) lhe diz que a cirurgia A (“Esquadrão Suicida”) é melhor que a cirurgia B (“Cidadão Kane”), contrariando a opinião do médico e lhe dizendo que pode, por conta própria, fazer a cirurgia. Não acho que precise perguntar qual dos dois é mais qualificado, certo?
Críticos pensam tudo igual, gostam de filmes chatos.
Todo crítico… não, praticamente todas as pessoas envolvidas com cinema amam a sétima arte, assim como os músicos amam a música, ou os atletas amam os seus esportes. Há casos, sim, de talentos natos e bem sucedidos que têm desgosto pela plataforma onde trabalham, mas não são comuns e raramente chegarão à excelência dessa forma. Se Messi, Lebron e Biles são os melhores em seus esportes é porque os amam, o mesmo se diz tanto de Tarantino, Scorsese, Mendonça, McCartney, Beyoncé e Caetano como dos responsáveis por editar, mixar, produzir, remasterizar ou fazer qualquer coisa relacionada as obras destes artistas. Logo, a grande maioria de críticos de cinema assiste a uma quantidade gigantesca de filmes, pois esse é o seu trabalho e eles amam este trabalho. O fato de a grande maioria deles desenvolver um gosto mais refinado não quer dizer que são esnobes, e sim exigentes. Assistir a todos os filmes da Marvel lhe faz tão especialista em cinema como jogar futebol aos domingos lhe torna um profissional.
Ainda assim, não contrariando o que escrevi acima nas quatro situações, mas concordando em parte com a terceira frase, é possível e, mais, é comum que alguém não goste de algo que todos amam. Temos este direito e, por mais que nossa opinião possa não ser tão qualificada como de especialistas justamente por não termos a bagagem para expressá-la e defendê-la da melhor forma, ela é sim válida e merece ser ouvida mesmo que não com a mesma atenção que outras. Mas por mais que seja perfeitamente entendível - não certo, mas entendível - que fãs de cinema critiquem um filme como “Vertigo” ou idolatrem um filme como “Pixels”, não cabe ao crítico, ou a quem quer que escreva algo completamente contrário à opinião geral, tomar sua verdade como a absoluta.
Um exemplo?
“Vingadores: Guerra Infinita” é o filme da maior bilheteria da história, foi aclamado por crítica e fãs (agregadores e sites especializados confirmam isso), mas caso alguém, em seu direito, o considere um filme ruim, jamais poderá colocar em seu texto que o filme é uma decepção. Pois, afinal, é uma decepção para quem? Todos amaram, tanto seus colegas de profissão como o grande público, então quem ficou decepcionado? Você? Ótimo! Explicite isso e apresente seus argumentos e sua experiência, mas não diga que o filme é uma decepção, porque não é.
Por isso, é estritamente necessário que você aceite a única verdade acerca desta hipotética discussão: você é do contra. Pois se não fizer isso, se suas opiniões sobre o filme vierem como decretos, elas serão escanteadas mais rápido que qualquer das milhares de críticas positivas. E isso vale tanto para mim, um projeto de crítico de cinema, como para os fãs casuais, como deveria valer para Roger Ebert, o maior de todos, se ainda estivesse entre nós. Convença a todos com a sua experiência - assim como Roger fazia, não importando se era do contra ou não - e não decretando algo que não pode ser decretado.