Crítica | Big Thief - Double Infinity
Se a vida te der limões…
Não faça uma limonada. Não beba tequila. Não tempere o peixe. Não faça nada, na verdade. Observe o limão se auto-decompondo, com o tempo perdendo qualquer utilidade atribuída por nós, e se pergunte-se se há beleza nisso.
Ou, ao contrário, faça a limonada e a sirva-a em um dia quente praqueles presentes. Beba a tequila e tenha a melhor noite da sua vida e prepare o o peixe mais saboroso já feito nesse universo e se delicie com cada mordida.
De qualquer maneira, a magia da banda americana de Folk Rock, Big Thief, liderados por uma das maiores compositoras dessa geração, Adrianne Lenker, sempre se debruçou sobre esse vácuo cheio de vida e possibilidades, paradoxalmente sugerindo que o nada não é um campo vazio, mas sim a fonte de todas as possibilidades e do próprio universo.
Double Infinity, mais do que nunca, sugere a não-existência de certo ou errado, apenas do aqui e agora.
Abraçar essa suposição poderia (e deveria) ser um tiro no pé para qualquer outra banda. No Fear, como perfeita representação de tudo o que foi dito até agora, não possui nenhuma estrutura lírica e pouquíssima variedade instrumental. A bateria e o baixo se repetem por 7 minutos assim como o único verso da canção, sendo a guitarra o seu único elemento de rebeldia em face a apatia temática da faixa.
Thеre is no fear, mind so clear, mind so free
Thеre is no time, round like a lime, destiny;
There is nowhere, no table, no chair, no country;
There is no face that isn't in your face, there to see
O desapego com os principais pilares que sustentam a música como tradicionalmente conhecemos aparece novamente em Words, dessa vez fazendo pouco caso da própria melodia. Há uma mistura enorme de elementos e gêneros completamente embriagados, onde o snare mais rústico e a guitarra trêmula e inquieta dão início a uma grande celebração dentro de uma taberna lotada, porém que não cativa tanto.
Nessa toada, Double Infinity é experimental, porém menos ousado do que qualquer outro dos seus discos. É confuso, mas claro quanto à sua confusão, e, por consequência, torna-se a admissão da derrota em face à tentativa de desvendar o segredo pra se viver, dessa forma, paradoxalmente - eu provavelmente já estou divagando aqui, peço perdão por esse parágrafo - descobrindo a resposta. Assim como o Alquimista, de Paulo Coelho, quando Santiago parou de procurar percebeu que todas as coisas já haviam se apresentado à ele.
A prosaica Double Infinity, regida por seu lindo timbre de bateria, reitera esses eternos paradoxos. Tudo possui esses dois lados de infinidade que ao invés de paralisar sua escritora perante a tudo que se renuncia através de uma escolha, ganha uma beleza etérea e eterna justificada pelo poder dessa decisão, em celebração ou lamentação, que existirá para sempre: Fastening so desperately, To vision and to memory, At the bridge of two infinities,
What is forming, what is fading.
Mourning and celebrating
What's been lost and what lies waiting
Apesar espírito livre e do desprendimento normativo que o trio abraça aqui, o que nos faz ficar, sorrir, rebobinar e de fato abraçar a infinidade de possibilidades que eles propõem a nós é quando Adrianne Lenker põe seus pés no chão, observa tudo a sua volta e pega sua caneta para descrever formas de amor e amar, como na sexual All Night All Day: “amor não é doce nem venenoso, é apenas uma coisa que dizemos e que nos faz continuar até terminarmos juntos”
Já na calorosa Los Angeles, onde os elementos acústicos ganham destaque e o lindo e delicado violão dança com a percussão rudimentar, ela transita entre um ser roteirista/diretora, uma poeta, e uma religiosa devota, respectivamente:
[Verse 1]
Los Angeles, 3:33, nothing on the stereo
Dirty tea, you're like the Mona Lisa
Smiling in the half-light
Mysteriously, but seriously
[Pre-Chorus]
I'd follow you forever
Even without looking
You call, we come together
Even without speaking
[Chorus]
You sang for me
You sang for me
Nada tocando no rádio, 3:33 da manhã, chá ruim, e ainda assim, como a Mona Lisa, aquela pessoa que a acompanha sorri comedida e misteriosamente. Semelhante a Gioconda, ela é uma observadora, pouco extrovertida. Adrianne a seguiria pra sempre, mesmo sem enxergar nada, e a encontraria em qualquer lugar mesmo que ela não falasse uma palavra. Porém, justamente no silêncio da madrugada, imersa em uma situação de completa paixão dissociativa, o retorno à realidade é movido por algo tão improvável que ganha caráter divino: Mona Lisa cantou para ela.
Por fim, assumindo a forma de um trio de Folk em gênero, número e grau para dar vida a minha música favorita do álbum, How Could I Have Known, arranca lágrimas ao se permitir ser nostálgica pela primeira vez:
How could I have known in that moment
What we'd turn into?
I was alone in that moment
When I first met you
O que já aconteceu, aconteceu; o que vai acontecer, vai acontecer. Somos feitos de amor, mas também somos feitos de dor. Dois eternos infinitos que terminam no mesmo lugar.