Crítica | Hollywood (Netflix)

Hollywood - 1ª Temporada - crítica

UMA SEMANA APÓS O LANÇAMENTO, TEMOS QUE FALAR SOBRE HOLLYWOOD (E SUA SIMILARIDADE COM GREEN BOOK).

A nova minissérie de Ryan Murph (Glee, História de Horror Americana e Pose), a primeira integralmente como uma produção original da Netflix, era esperada por uma legião de fãs do criador de séries tão importantes para a TV estadunidense. A proposta é simples: reconstruir a realidade do cinema hollywoodiano no pós-segunda guerra mundial. Com personagens inspirados em verdadeiros nomes artísticos, “Hollywood” tenta re-imaginar uma indústria marcada por conservadorismo, sinalizando a importância do cinema para a construção de uma sociedade menos discriminatória. A minissérie conta com nomes enormes da TV, como Patti LuPone, Queen Latifah, Jim Parsons e Dylan McDermott, além do jovem Darren Chris, já conhecido por participar das outras séries de Ryan.

Com a discussão central sobre as discriminações racial e homofóbica dentro do cinema hollywoodiano, a série engloba vários personagens centrais. Jack Castello, um homem branco que sonha em ser galã de cinema, mas que encontra dificuldade para entrar na indústria; Raymond Ainsley, um diretor que tem a visão do cinema interligada com a mudança social e impacto na cultura do país e do mundo; Camille Washington, uma atriz negra que tenta papéis importantes, mas que é somente escalada para bicos de empregada de canto da tela; e Archie Coleman, um jovem roteirista, negro e gay que luta contra a discriminação para ter seus textos notados por um grande estúdio. Há também outros dois grandes personagens na trama, Rock e Claire, mas que acabam sendo pontos interligados aos quatro protagonistas. E é neste ponto no qual se inicia um dos principais problemas da produção.

Hollywood - 1ª Temporada - crítica

Como é possível fazer uma minissérie de 7 episódios com tamanha proposta social sem se aprofundar nos personagens? Com os primeiros 4 episódios construídos lentamente, sem nada que se conectam diretamente a proposta central da série, há um enfoque enorme no personagem Jack Castello e pouco nos outros personagens, ainda que sejam o verdadeiro motivo de toda a trama acontecer. Existem 3 pontos muito problemáticos nisso: primeiro, a temática é grandiosa, e o que pode ser discutido em 7 episódios já de forma apertada, fica ainda com menos tempo por causa de uma enrolação desnecessária; segundo, o diretor Raymond Ainsley, que com certeza tem um dos melhores diálogos da série, é tão porcamente construído que, ao final, é impossível você dizer quem é este personagem; e terceiro, mas não menos importante, qual é o propósito dessa moda de fazer produções que querem discutir racismo com os personagens negros sendo subaproveitados?

O que foi um dos erros centrais apontados no ganhador do Oscar de 2019, “Green Book”, colocando como pauta central a discriminação racial e jogando para trás os personagens e atores negros, para que a discussão fosse centrada nos brancos (mais uma vez), é um erro visível em “Hollywood”. Os incríveis e mais sensíveis personagens, Camille e Archie têm poucas cenas comparadas com Raymond, Jack e até mesmo comparadas com as do coadjuvante Henry Wilson, interpretado por Jim Parsons. É uma perda grande para a construção da minissérie, uma vez que os únicos momentos que realmente emocionam e tornam a discussão mais complexa são as cenas com os dois personagens.

Hollywood - 1ª Temporada - crítica

Além disso, a minissérie faz um papel de acusação e denúncia a abusos de poder e assédios históricos na indústria de Hollywood, mas existe uma concentração um tanto problemática dessa discussão somente sobre os personagens masculinos gays. Não é pautado em nenhum momento os assédios sexuais já denunciados e conhecidos do cinema estadunidense por parte de diretores homens héteros com atrizes em set. Isso incomoda, mas é visível o interesse de fazer disso uma denúncia da hipocrisia de uma indústria com tantos homens gays que não faziam nenhum movimento político para pautar a homossexualidade no cinema.

Hollywood - 1ª Temporada - crítica

Visivelmente, a produção faz seu papel. Com uma direção de arte impecável e figurinos belíssimos, a ambientação não é preguiçosa. Com um olhar romântico sobre o vintage e o que a geração que assiste não viveu, é tudo glamuroso e lindo, mas com detalhes de superficialidade, essencial para mostrar as dores dos personagens que não conseguem alcançar seus sonhos na cidade. É o alívio para quatro episódios mornos, até que a série realmente chega ao que se propõe e entrega excelência.

Os episódios finais guardam uma atuação impecável da participação (infelizmente minúscula) da atriz Queen Latifah, como Hattie McDaniel, que protagoniza a cena mais bonita da série, e tem mais desenvolvimento do que muitos dos personagens principais. A personagem de Patti LuPone também entregou a ela uma oportunidade ímpar de atuação, em uma construção dramática de uma mulher que quer ser amada e se confunde com a ambição. A conclusão é nada além de poética, triste e feliz. O caminho para o qual a séria se guiará fica nítido quando estamos no meio da jornada, revelando que é bonito de se ver por ser fantasioso e lembrar a esperança do cinema como um ato político. O triste disso é ter que esperar tanto para chegar no que vale ouro em uma minissérie tão curta.

“Hollywood” tem uma proposta bonita, uma entrega imagética marcante e um final memorável. Porém, não são todos que conseguirão exercer a paciência de ver episódios que tão pouco engajam para chegar no “finalmente” belo que a série promete.

7

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