Crítica | Capitã Marvel
É surreal que tenhamos tanta fé em alguém para que derrote um personagem fictício que parece tão implacável. É maravilhoso que esse personagem seja uma Mulher.
Antes de mais nada, é verdadeiramente uma pena que, em seu 21º filme, a Marvel não tenha conseguido fazer de “Capitã Marvel” o filme que o público feminino mereça. É mais um capítulo decente e bem feito do MCU, seguindo a mesma fórmula que simplesmente os impede de fazer um filme verdadeiramente ruim, mas ao não tomar riscos, essa história tão importante de ser contada falha em atingir todo o potencial que uma personagem tão importante no universo do estúdio possui. Dito isso, não há maneiras de não considerar o longa dirigido por Anna Boden e Ryan Fleck um triunfo e um marco cultural. É o primeiro filme (razoavelmente bom) centrado em uma super heroína, e isso por si só já vale o ingresso.
Diversas coisas funcionam aqui, pois afinal, o jeitinho da Marvel de fazer filmes é rivalizado apenas pela Pixar em termos de consistência e qualidade. Se é difícil se preocupar com qualquer capítulo menos importante que o próximo “Vingadores”, os diretores compensam isso em aliar à personagem interpretada por Brie Larsson poderes que são uma das únicas esperanças de derrotar o temido Thanos, e isso é a melhor parte do filme. Carol Denvers é, sem sombra de dúvidas, a melhor incarnação de poderes escatológicos nas telonas logo na primeira tentativa sendo que Thor precisou de algum tempo para atingir seu ápice (em “Guerra Infinita”) e o Superman de Henry Cavil teve de conviver com a inconsistência do tom sombrio de seu filme e seus poderes cartunísticos. Apesar de que, como é de praxe, não haver uma explicação lógica do que Denvers é realmente capaz de fazer, a maneira com que a direção desfila suas habilidades é natural e descontraída, algo essencial para que funcionem como devem.
A dupla, porém, falha em estruturar seu filme da melhor forma. Um tanto episódica, a história de origem da Capitã é cliché, mas isso não é o principal problema. O longa demora uns bons minutos até mostrar do que realmente se trata, com uma confusa e longa demais sequência de flashbacks que só fazem sentido ao final. Há pouca exploração do mundo de Hala, extremamente pobre conceitualmente quando comparado a Wakanda, por exemplo, sendo que as coisas só começam a engatar quando Carol chega a Terra nos anos 90, divertida e referencialmente construída pelo design de produção, roteiro e pelo excelente uso da cinematografia, essa sim, uma das melhores do MCU até o momento. Suas interações com o mundo não são novidade, mas divertem.
Enquanto a história oferece algumas reviravoltas interessantes e não tão fáceis de se prever, o roteiro é um tanto raso, o que impede os momentos de empoderamento feminino de atingirem seu maior potencial. Ainda assim, toda e qualquer moça que assista à “Capitã Marvel” deve e vai se emocionar, afinal, diferentemente da (também muito boa) Mulher Maravilha (2017), mostrada pela DC, Carol Denvers era, antes de receber seus poderes, um exemplo de luta e resistência em um meio dominado inteiramente por homens. Algo muito bem enfatizado no longa, pois mostra que, com ou sem habilidade de soltar raios pelas mãos, toda mulher pode - e na maioria das vezes tem de - ser forte.
Extremamente criticada pelo público masculino (ou por idiotas, na verdade) por não ser um símbolo sexual antes de seu papel como Carol, Brie Larsson, para quem não conhece, é dona da possível melhor interpretação da década até agora em “Room”, um filme que, depois de visto, fica difícil dissociar atriz e personagem. Para mim, ela ainda tem em seu olhar a tristeza de Joy e isso definitivamente atrapalhou minha experiência. E sim, a atriz ainda não se encontrou por completo na personagem, apesar de esbanjar seu talento em diversos momentos, há uma inconsistência na energia dela, algo que pode e deve ser corrigido em suas próximas aparições no MCU.
Outra incongruência é o fato de Nick Fury ser completamente diferente do que tem sido até então, mas o milagroso trabalho de rejuvenescimento de Samuel L. Jackson, e seu irresistível carisma o impedem de ser um problema no longa. Jude Law é um ótimo ator, mas tem muito pouco para trabalhar aqui, já Annette Bening não foi bem como a doutora Wendy Lawson. O resto do elenco de apoio é funcional, mas não conseguem fazer muito além do que lhes foi dado pelo roteiro. Curiosamente, Goose, o gato (interpretado por quatro felinos diferentes), é o único que arrasa em todas as suas cenas. O destaque fica pela ambígua e dedicada performance de Ben Mendelsohn, um alienígena que flerta entre o desespero, humor e coragem com fluidez, além de estar meticulosamente bem maquiado para ficar parecendo o Piccolo, de Dragon Ball, série de anime japonesa que penso ter sido uma interessante inspiração, vide a foto abaixo.