Crítica | Amizade Colorida
TUTORIAL DE NAMORO
Mesmo com poucas ambições, comédia-romântica de Will Gluck faz comentário interessante sobre as relações contemporâneas
Num momento onde a crítica considera o uso de clichês como algo que diminui o valor de uma obra, e após uma década onde valor passou a ser atribuído à uma falsa ideia de realismo, ou à narrativas teoricamente complexas, um filme pequeno como esse jamais conseguiria encontrar seu devido lugar dentro da cena atual do Cinema Norte-Americano.
Nos seus melhores momentos, Amizade Colorida (2011) me lembra uns toques de Howard Hawks, especialmente como seus protagonistas pareciam desenvolver relações amorosas em meio a uma dinâmica prática que remete aquelas primeiras relações da infância. A primeira namorada as vezes acaba sendo mesmo uma amiga, e digo isso mesmo de amizades que nunca viram namoros, mas que ensinam sobre relações tanto quanto, ou provavelmente mais.
E por mais que seja um resquício da popularidade e praticamente saturação do gênero nos anos 2000 (talvez a última década onde as rom-coms foram protagonistas?), o início dos anos 2010 traz vários filmes que carregam consigo uma vontade de se renovar, de encontrar na pós-modernidade traços que modificam a maneira como nos relacionamos.
Na maioria das vezes, o resultado acaba sendo o pós-amor, um comentário sobre as relações, e geralmente sobre o impacto da tecnologia e do mundo conectado. No caso desse aqui, essas “novidades” surgem como instrumento e não norma, e isso torna o filme de Will Gluck um dos que melhor passaram por esse curto teste de tempo do pós-década.
A amizade colorida, prática mais do que ancestral mas que agora tem nome - como tudo nessa nossa geração de patentes como meio de solidificar uma posição social, da comunidade LGBTQIA+ a uma nova pseudo-psicologia que toma conta das redes e tem um rótulo pra cada tipo de comportamento -, é tratada com uma montagem: o sexo é quase um tutorial de YouTube, eles fazem como jogam tênis, vira um dispositivo de diversão entre os dois, e não um meio de se conectarem.
Não, a conexão vem no flash mob, no topo do telhado, na viagem pra casa dos pais, num convite pra sair que é respondido ou não. O que torna curioso o discurso do filme sobre sexo em um mundo cada vez mais regido por uma agenda que se julga progressista mas age como as amarras conservadoras do Código Hays. A relação íntima dos corpos não é filmada de maneira sensual ou intensa, mas quase como um passatempo - o pouco de bunda que aparece (segundos de cada um) são em momentos de descontração.
Mas também curioso que, ao rejeitar qualquer tentativa de sedução - a abordagem dele na guria na escada dá errado, o encontro com a pirada do suvaco é cômico -, o filme parece quase um comentário sobre o atual estado do Cinema romântico, que rejeita a paixão, o melodrama, o close-up encantado, sem deixar de ser um retrato fidedigno da vida real. Na maioria das vezes, as pessoas começam a se gostar não sensualizando, mas conversando como seres humanos normais.
Daí me incomoda que o filme seja tão picotado, como se a câmera representasse uma entidade (talvez a própria presença das redes sociais que duvidam cada vez mais da capacidade cognitiva das pessoas) insensível pra qualidade da encenação, quase sempre em espaços livres e que permite a seus atores terem liberdade de se movimentar, olhar, sorrir, reagir. Tem muita dramaturgia, muita conversa entre os dois, muita linguagem, mas o filme parece que não acredita no potencial disso de levar essas cenas. O que até faz sentido quando pensamos que é um produto antecipado de uma época onde o tempo de atenção se faz cada vez mais curto, mas quando os acontecimentos em cena, em tese, tentam rejeitar esse avanço em prol de algo mais humano, o ideal talvez seria que o filme respirasse também.
Mesmo sem grandes eventos, gosto como essa aproximação gradativa da dupla culmina na primeira vez em que os dois não transam, mas fazem amor. O que começa como mais uma tentativa de brincadeira (ele tirando o roupão), termina com uma conversa pessoal e que passa perto de captar o que os melhores filmes conseguem: o momento que duas pessoas se apaixonam. Esse acaba ficando perdido entre o olhar transformado da Mila Kunis pro Timberlake (ela vai melhor que ele, mas os dois estão bem) e o sexo a seguir, esse sim com direito a movimento ondular de lençol em uma cena construída de maneira mais sensorial, e não frontal.
Interessante também que ele só se dê conta de que ama ela na cena com o pai, onde o guri que queria superpoderes supera a vergonha e vê que precisa crescer, ao mesmo tempo que se depara com uma espécie de Vertigo (1958), ou Na Cidade Sylvia (2007) pra ser mais exato, na busca interminável e sem sucesso do pai por uma garota do passado. E provavelmente passa desapercebido, mas a mãe sofre praticamente da mesma coisa: depois de engravidar de um cara que não lembra quem é, passou a vida sem se fixar em ninguém, mas tem que convencer a filha que o caminho certo é o inverso. Um momento espelhado, onde patologias próprias vem como lição de moral, algo bastante "complexo" pra um filme tão “simples”.
E apesar de ser inconsistente nas tentativas de uma dramatização excessiva - o plot do pai parece meio jogado, o grande momento deles perde força porque é tudo descrito, telegrafado (uma piada interna com um filme que assume que, em determinado momento, vai seguir os clichês) -, acaba compensando, de novo, nas pequenas cenas.
Um filho que tira as calças pra jantar com o pai, uma conversa conciliadora de mãe e filha, um primeiro encontro final em um restaurante simples embaixo de uma ponte, filmado de modo que os dois parecem habitar apenas uma janela de um mundo vivo e que nunca para ao seu redor (um contraponto mais do que interessante com a utilização do flashmob).
O plano em si me lembrou Wong Kar-Wai, e embora talvez seja um desperdício não terminar tudo ali, Amizade Colorida ainda é uma comédia romântica, com menos aspirações do que poderia ter, mas que consegue, dentro de seu jogo de clichês, ter um charme próprio.