Crítica | Namorados Para Sempre
Expressando de forma quase incômoda a dificuldade do ser humano em enxergar a própria vida, anos após fazer escolhas que praticamente a definiram à longo prazo, “Blue Valentine” é um dos “romances” mais difíceis de se assistir da década, alternando entre a maravilha do primeiro encontro à turbulência da separação.
Apesar de ser um tema abordado de diversas maneiras no cinema, o impacto da estagnação afeta o casal interpretado por Ryan Gosling e Michelle Williams de forma quase tóxica. Ela está visivelmente cansada da rotina: acordar, dar café para a filha, ir para o trabalho, voltar, dormir. Ele, ocupado com outras atividades e muito mais apaixonado pela mesmice que suas vidas se tornaram. Alternando entre a vida atual do casal e seis anos atrás, quando se conheceram, o diretor aplica bem o uso de duas câmeras e técnicas diferentes. No presente as tomadas são mais fechadas, quase claustrofóbicas, enfatizando que ambos se encontram presos às próprias vidas. No passado, além de as imagens parecerem antigas, vemos mais planos abertos e excelentes cenas em plano sequência, tornando a experiência visual em algo mais fluído, assim como o início de uma paixão.
É justamente esse contraste com o delicioso passado, cheio de vida e romantismo que torna a monotonia do presente algo ainda mais pesado. É uma pergunta que todos nos fazemos em algum momento da vida, em variadas situações: Como aquilo virou isso.
O diretor, Derek Cianfrance, praticamente pagou pelo filme sozinho e contou com grande ajuda de ambos os atores, que improvisaram diversas falas e gravaram a maioria de suas cenas em apenas um take. Isso confere um senso de realismo brutal à narrativa, com ambos tão imersos em seus papéis que raramente nos lembramos que estamos assistindo à dois dos atores mais talentosos de uma geração. Suas cenas de sexo são dotadas de uma intimidade que nos torna praticamente invasores e o incomodo que Williams apresenta na presença de Gosling é extremamente difícil de assistir. Ele, visivelmente, ainda a ama como nos flashbacks de seis anos atrás e deixa claro que a única coisa que necessita na vida é dela e da filha. E esse é o problema. Ela sabe que perdeu muito e sabe que ambos podem mais, ele também sabe, mas, simplesmente, não quer.
Apesar de ter quase duas horas e ter pouca ou quase nenhuma ação conflitante, o longa não se arrasta ou se estende mais do que o necessário e, por mais que a dor da separação - culminada em uma cena final de partir o coração - seja quase intragável de se assistir, é como se tudo que víssemos fosse um reflexo e uma lição, dolorosamente relacionáveis, da vida como ela é. Nem todos os dias dos namorados são felizes e regados pelo vermelho da paixão. Este, com certeza não é.