Crítica | Doentes de Amor

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Rara é a comédia romântica que consegue adicionar qualquer coisa à um dos gêneros mais saturados e estáticos dentro do cinema. Mais rara ainda é aquela que consegue desenvolver sua já conhecida, já vastamente explorada história de amor com ações tão aparentemente pequenas e cotidianas, guardando seu “momento de aeroporto” para uma última cena que, aparentemente trivial, comprova o que a maioria destes filmes falha miseravelmente em fazer: no fim, o amor vence.

Dirigido por Michael Showalter e escrito pelo casal Emily V. Gordon e Kumail Nanjiani (que também estrela o longa interpretando a si mesmo), “Doentes de Amor” - uma tradução ridícula do muito melhor e acidamente dúbio "The Big Sick”, que evidencia não apenas o principal evento do filme como a personalidade cômica de seu protagonista - conta a história do casal de roteiristas e os empecilhos culturais que enfrentaram para poderem ficar juntos.

Convenções de gênero são uma obrigação de qualquer filme, especialmente em comédias românticas, onde, para que um filme possa existir em primeiro lugar, é necessário que seu casal se conheça e se apaixone. Nisso, “The Big Sick” não inova, mesmo que de certa forma transvista seu tradicional início com engenhosas intervenções provocadas pela vida como comediante de Kumail que, por mais que não utilizem o máximo de seu potencial, fazem o suficiente para te relembrar a todo o momento que está assistindo, também, uma comédia. Mas o que salva o primeiro ato, um tanto alongado é verdade, da mesmice é justamente a química entre Kumail e Zoe Kazan, que interpreta uma divertida e espontânea versão da roteirista Emily. Em uma hilária cena ela diz a ele que precisa sair de seu apartamento, pois não conseguiria fazer o número 2 em sua presença, em outra, ele tenta fazê-la assistir um filme como todos os namorados tentam fazer suas namoradas assistirem para, obviamente, terminar em sexo antes da metade da projeção.

O roteiro é sutil nesse ponto e nos entrega diversos pequenos momentos que abrilhantam a estrutura batida da narrativa, promovendo momentos cômicos não exatamente frequentes, mas sinceros e marcantes na maioria das vezes. Porém é na segunda convenção mais utilizada no gênero que o filme realmente se distancia de seus contemporâneos, ao centrar a briga entre Kumail e Zoe em torno das crenças religiosas que impedem o relacionamento de ambos. É um conflito real, inevitável, complexo e que gera discussões mais do que pertinentes que ganha transtornos ainda maiores no momento em que Emily sai de cena por conta de uma infecção que a coloca em coma induzido. Narrativamente, isso permite ao roteiro explorar seus personagens ao juntar Kumail e os pais de Emily em uma relação inusitada perante ao drama que vivem, gerando momentos emotivos, empatia por cada um e, ainda assim, piadas sensacionais.

À par de Zoe, contagiante em seu jeito desajeitado e Kumail, que é funcional ao interpretar a si mesmo com uma falta de energia que não sei julgar ser má atuação ou apenas sua real personalidade, o elenco de apoio traz uma Holly Hunter empenhada e com um olhar de mãe que poucas vezes vi no cinema e um Ray Romano com uma performance humana e repleta de camadas, mas falha ao mostrar os amigos unilaterais de Kumail e também em explorar melhor sua relação com sua família e seus costumes culturais. É um filme que precisava de um nível consideravelmente mais elevado de qualidade por parte de seus atores para tirar o melhor possível dos muitos temas que o roteiro destrincha, figurando como o único “se” significativo da produção.

“The Big Sick” é uma comédia eficaz e uma bela história de amor que desafia seu casal com coisas que vão além do que vemos na tela. Com um dos desfechos mais singelamente belos do gênero, o filme sucede em quase tudo que tenta e figura como uma das melhores surpresas de toda a década.

8.5

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