Crítica | Detetive Pikachu

Aviso:

se você é uma daquelas pessoas que comemorou o fato de o primeiro Pikachu em live action ter a mesma voz de Deadpool (Ryan Reynolds) e, mesmo assim, decidir assistir a este filme dublado, então é bem possível que essa crítica não vá lhe agradar… mas você deveria lê-la mesmo assim.


Que coisa maravilhosa poder testemunhar, depois de anos de terríveis adaptações Hollywoodianas sobre obras da cultura japonesa (“Death Note”, “Dragon Ball”, “Super Mario Bros”, entre outras), um filme que consegue honrar uma das franquias mais famosas e amadas do planeta Terra ao não tentar ser mais do que deveria. Pokémon é uma “febre” mundial que já dura mais de 20 anos e não parece estar nem perto de acabar e, para alguém que cresceu colecionando as miniaturas das garrafas de guaraná, assistir a esse filme foi, na maior parte do tempo, como uma viagem - um tanto mais realista e estranha, mas - deliciosamente nostálgica.

Antes de tudo, é preciso comentar o quão inventivo e rico é o universo criado por Satoshi Tajiri (que você pode conhecer um pouco melhor assistindo ao ótimo vídeo abaixo). Vastamente explorado durante as dezenas de jogos e séries animadas da franquia, possui algumas das criaturas mais icônicas da cultura popular, e as mecânicas sociais relacionadas à existência dos monstrinhos, além de serem um belo trabalho de ficção científica (e fantasia), são suficientemente lógicas, adicionando credibilidade à toda esta ideia que, de tão absurda, soa tão divertida.

O diretor Rob Letterman entende que o personagem principal dessa história é justamente esse cenário tão original e orquestra os aspectos visuais do filme de forma que podemos imergir dentro dele, o que enriquece a narrativa principal. E trazer este mundo tão surreal à vida só seria possível com o tom certo, o qual é encontrado logo cedo, quando somos apresentados a uma cidade futurista com uma ar de Film Noir (sim, “Blade Runner” e “Akira” são definitivamente influências) que realça a estranheza e permite que estas criaturinhas que, aparentemente deveriam funcionar apenas em animações (2 ou 3D, nos jogos mais recentes), populem este mundo de forma orgânica. Há um senso claro de auto-sátira que é abraçado pela produção, algo similar ao que a Marvel faz, de entender que histórias assim não podem se levar a sério demais ou acabam se tornando piadas não intencionais.

E o trabalho de CGI é essencial para isso. Por mais que não seja tão bem polido na questão da textura (fica claro que todos os Pokémon são feitos por computador, nunca dando a ilusão de serem reais), sucede em transformar diversos Pokémon em versões ultra-realistas de si mesmos e há um trabalho quase impecável em certos detalhes. O movimento dos bichinhos, suas sombras, reflexos, o movimento de seus pelos, escamas e penas. Além disso, a direção não foge de mostrar como cada canto da cidade é positivamente infestado por eles, pois em cada plano há pelo menos algum interagindo com o ambiente da maneira mais natural possível. Destaque a ser dado para sequências importantes envolvendo um Mr. Mime, um Ditto e um outro Pokémon muito conhecido o quão não vou revelar e para duas menores, de poucos segundos, envolvendo um Jigglypuff e um Treecko.

Letterman conduz muito bem as cenas em maiores escalas (incluindo uma excepcional envolvendo dois Torterras), explorando a detalhada construção de mundo que vai desde os efeitos à posteres, anúncios, objetos e ao próprio comportamento dos figurantes, o que dá dinamismo e profundidade ao ritmo do longa. O roteiro, por sua vez, assinado por ele e outros roteiristas menos conhecidos, consegue criar uma estória de mistério suficientemente interessante e intrigante, apesar de não ser nem de perto o elemento mais original do filme, mesmo que seu twist traga uma boa quantidade de emoção. Infelizmente o diretor não consegue extrair do grupo principal de atores o mesmo que extrai dos visuais, sendo que todos ainda não pareciam estar totalmente a vontade contracenando com criaturas inexistentes. Mas, aqui, entra uma parte da crítica que eu gostaria de não precisar escrever, mas se faz necessária.

Graças à regulamentações da Warner Brasil, apenas 10% - repito, uma em cada 10 - das cópias do longa, no país, terão o idioma original - incluindo a cabine de imprensa, a qual assisti - e isso é um desrespeito imenso. Primeiro: com as centenas de profissionais envolvidos no design, mixagem e edição de som, tão necessárias para a imersão em um filme de fantasia, têm seu trabalho remendado por uma dublagem mediana (dentro do próprio padrão brasileiro de dublagens) que, segundo: simplesmente impede qualquer pessoa de analisar por completo a performance dos atores que, terceiro: tem suas origens e esforços cortados pela metade ao excluírem completamente o trabalho de diversidade, essencialmente natural construído no casting. A dublagem brasileira simplesmente transforma sotaques britânicos (Bill Nighy, Rita Ora), mexicanos (Omar Chaparro), japoneses (Ken Watanabe), indianos (Karan Soni) e africo-americanos (Justice Smith) em uma mistura de carioca com paulista. Além, é claro, de nos privar de assistir ao Pikachu de Ryan Reynolds, que é dublado razoavelmente bem na versão brasileira, mas perde todo o carisma e acidez da voz de Deadpool que combinam tanto com o tom do do longa. E, para combinar com o sotaque cariolista, enfia ao menos um “guri” por frase.

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É claro, é um filme para crianças e esse é o argumento mor da onda de cinéfilos brasileiros pró-dublagem, e longe de mim questionar a importância desta arte (tanto para crianças pequenas, analfabetos ou deficientes visuais), mas limitar à apenas 10% das cópias nacionais ignora completamente a forma como a dublagem deveria ser consumida. Assistir a um filme dublado é uma escolha sua que não deveria atrapalhar os verdadeiros amantes do cinema.

“Detetive Pikachu” é revigorante quando se pensa no desastre que poderia ter sido. Com doses bem calculadas de humor e mistério, uma quantidade formidável de fan-service e pelo menos duas boas cenas de ação, o filme funciona por conta própria e, ao mesmo tempo, reapresenta um mundo tão amado para o cinema de forma tão bem que é inevitável torcer por novas estórias a serem contadas sobre ele. Se possível, assista no idioma original e, parafraseando um dos críticos brasileiros mais influentes, não diminua sua experiência.

7.3

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