Crítica | Millenium: A Garota Na Teia de Aranha
A indústria do cinema é suja. As suas histórias favoritas vão ser exploradas, comercializadas, lavadas até que não sobre nada se não um título e uma pequena sensação de familiaridade sobre algo que você gostava tanto.
“A Garota Na Teia de Aranha” é o quinto capítulo da franquia “Millenium” no cinema, após a boa trilogia sueca (2009) e o excelente filme de David Fincher (2011). Porém, por qualquer e vários motivos, foi decidido que nem produção nem elenco do remake norte-americano seguiriam, com este servindo como uma espécie de reboot da série. Mais inusitado ainda foi o fato de que o uruguaio Fede Álvarez estaria dirigindo um longa baseado no quarto livro da série, que fora escrito por um novo autor, sendo que Stieg Larsson falecera pouco depois de entregar a trilogia à sua editora, em 2004.
Álvarez é um bom diretor. Apesar de estar no início de sua carreira, o terror “Don’t Breathe” (2016) foi sucesso de crítica e público e sua adição a este universo não se faz de toda injustificável. Claro, todos queríamos assistir à uma adaptação do segundo livro da série, desta vez dirigido por Fincher, afinal, a trilogia sueca foi uma descendente após o primeiro filme.
Algumas escolhas do elenco também não fizeram sentido. Sverrir Gudnason, que interpreta o jornalista Mikael Blomkvist, não é exatamente um mau ator, mas é apenas 6 anos mais velho que Claire Foy, que interpreta Lisbeth Salander, sendo que nos livros e nas adaptações anteriores a grande diferença de idade entre ambos é aparente (aproximadamente 17 anos). Vicky Krieps esteve muito bem em “Trama Fantasma” (2017), mas de nada lembra Erika.
Com tudo isso fica praticamente impossível assistir a este filme com imparcialidade, ainda mais após os primeiros trailers mostrarem mais um filme de ação com uma justiceira do que a história recheada de mistérios que conquistou tantos fãs. Após assisti-lo, o resultado não é muito diferente do que se imaginava, mas a surpresa talvez seja até boa. Não é um bom filme da saga “Millenium”, mas também não é um filme ruim.
A direção de Álvarez é eficaz, ele flutua bem entre belos planos abertos e intrigantes planos sequência, dá espaço para seus atores e trabalha muito bem com a cinematografia de Pedro Luque, que é, em seus melhores momentos, estonteante. Visualmente o longa se sobressai em relação a muitos outros de ação, não apela para câmera tremida e dá a enfase necessária aos muitos momentos de conflito. O problema é que a história de Larsson é mais sombria e sugestiva, algo muito bem capturado pelos outros filmes que transformavam as locações na Suécia em algo sujo, sufocante. Aqui parece que vemos imagens muito bonitas, mas sem qualquer significado e mensagem por trás.
Em um momento, Lisbeth simplesmente pula em um lago congelado com sua moto e segue dirigindo sem que o gelo se quebre. Parece que Daniel Craig saiu do filme, mas James Bond ficou.
De longe o que mais separa o filme do que se conhece da franquia é o roteiro. O primeiro livro de Larsson e suas adaptações tratam sobre um mistério enervante, enquanto os outros dois aprofundam a origem de Lisbeth e seu relacionamento com Mikael com uma rede complexa e insana de acontecimentos. Salander sempre foi uma sobrevivente, mas aqui ela é uma versão feminina do mais cliché justiceiro, que apenas se diferencia por sabermos mais do que o filme nos mostra sobre a personagem. Além disso, há uma quantidade incomodativa de conveniências que apenas permitem que a história avance.
É uma pena, pois Claire Foy estava excelente. Não tão boa como Rapace ou Mara, mas ela captura um tanto da essência de uma das melhores personagens do século 21. Porém, não é lhe dada material o suficiente para suprir as altas expectativas depositadas em Lisbeth Salander. O diretor praticamente optou por não investigar e trabalhar seus personagens, talvez por acreditar que todos que assistissem o filme já conhecessem seus passados, mas isso é um erro grotesco em um reboot.
Esse desserviço é feito com todo o elenco. Mikael, que dividia com Salander o protagonismo de todas as histórias não faz praticamente nada aqui, enquanto Erika apenas existe por alguns minutos com uma atriz que, apesar de não ser ruim, é diversas vezes inferior à Robin Wright. Stephen Merchant tem apenas uma expressão durante todo o filme e até mesmo o ótimo LaKeith Stanfield não tem quase nenhuma camada e complexidade para trabalhar. Todos estão bem, mas a nenhum é dado a oportunidade de estar ótimo.
O roteiro falha tanto que até personagens realmente interessantes tem seus momentos ofuscados. Quando se descobre que o pequeno August, interpretado de forma razoável por Christopher Convery, contém segredos que podem ajudar a solucionar os problemas do filme, não é nenhuma surpresa ou emoção especial. A talentosa Sylvia Hoeks tem talvez o melhor monólogo, mas por mais que tudo que ela diga seja realmente terrível, ao não trabalhar de forma profunda seus personagens você apenas ouve aquilo, sem sentir nada perto do que realmente deveria.
É preciso comentar sobre o final que, apesar de ser “gratificante”, é tão surreal e cliché que quase entra no amplo de filmes de super heróis. Não é isso que os fãs de “Millenium” esperavam, e acho realmente difícil de acreditar que os responsáveis pelo filme não saibam disso.