Crítica | Monkey Business (1952)

Um antídoto para o naturalismo

Em filme “menor”, cineasta explora os limites de sua falta de estilo


Meu primeiro contato com Howard Hawks foi com Paraíso Infernal (1939), filme estrelado por Cary Grant e Jean Arthur, e situado “em algum lugar da América do Sul”. Considerada até meados do século passado como um refúgio exótico em filmes norte-americanos e europeus, o curioso é que raramente os filmes de fato desciam o mapa para filmar em solo sulamericano. Hitchcock o fez com Interlúdio (1946), quando filmou o mesmo Cary Grant no Rio de Janeiro, mas boa parte dos filmes apenas menciona ou, no caso deste, simula o continente.

Filmado em estúdio e em locações diversas dos Estados Unidos, o mundo que vemos em Paraíso Infernal é basicamente uma base centrada no meio da selva, onde norte-americanos convivem pacificamente com os nativos em uma espécie de colonização amigável - falo, por óbvio, do ponto de vista hollywoodiano. O que se vê, portanto, é uma representação, entre o estereótipo e o idealismo, de um mundo estrangeiro, habitado por seres que tratam a vida humana como algo quase dispensável, ao menos quando esta faz parte da troca monetária vista no filme.

O longa foi um sucesso e é, até hoje, considerado um dos melhores da carreira de Hawks. Mas, para o Marco de 2021, tudo que provocou foi um distanciamento resultante da incompreensão. Pois comecei minha jornada pelo Cinema, como tantos outros, em busca de significados, tanto nas mensagens como nos estilos. Culpa de uma cultura pop que ensina a procurar referências, e de algumas influências que me guiaram em direção à análise cinematográfica, e não a uma reflexão exploratória de sua síntese. Um diretor como Hawks jamais poderia chamar minha atenção, porque neste filme (e nos dez que vi desde então) tudo está tão claro que se torna nebuloso como.

Assim, sigo o curioso processo de reavaliar algo sem a necessidade da revisita. Pois este primeiro contato foi, no mínimo, abrasivo, mas várias imagens do filme (e mesmo sua atmosfera) seguem vivas na cabeça, por motivos que talvez descubra quando revisitá-lo. E embora tenha gradativamente me aquecido ao seu Cinema, havia sempre um quê de distanciamento toda vez que via um novo filme.

Algo que, pela primeira vez, parece ter se dissipado por completo. Pois quando um não apenas percebe, mas reconhece que o estilo de Hawks é justamente o da recusa, o de registrar as coisas como elas são (ou de representar as coisas como elas são), é possível se abrir a um diretor completamente novo, que se escondia na superfície da tela que se apresenta a sua frente.


O Inventor da Mocidade (título brasileiro que menciono aqui e abdico na sequência em favor do original: Monkey Business) pode ser um filme “comum” de Hawks, uma comédia screwball estrelada por Cary Grant que não tem maior destaque na sua carreira que outros tantos filmes mais conhecidos - e que não curiosamente não tornaram igualmente reconhecido o seu diretor. Mas, na minha história com o cineasta, se revelou um ponto de virada.

Em sua trama, Cary Grant interpreta um cientista em busca de uma fórmula do rejuvenescimento, a qual testa em uma dupla de chimpanzés. Sua obsessão com o trabalho gera algum atrito com a esposa, interpretada por Ginger Rogers, mas não o suficiente para que isso se torne um incidente. De modo semelhante, a secretária do laboratório onde Grant trabalha (interpretada por Marilyn Monroe) desenvolve uma paixonite pelo cientista, mas este nem ao menos cogita ser infiel com a esposa, ao passo que esta rejeita as investidas do amigo advogado sem fazer delas nada demais. Talvez mais do que em outros filmes de Hawks, este se apresenta quase desnudo de situações dramáticas: não é que o drama seja abordado por meio da comédia (como é o caso em Suprema Conquista, Levada da Breca, Os Homens Preferem as Loiras), é que não há risco verdadeiro para nenhuma pessoa, relacionamento ou instituição.

Talvez nem mesmo seja possível dizer que há uma trama para além da piada envolvendo a fórmula da juventude. Pois (e mas) em uma das noites, a chimpanzé (com a roupa trocada erroneamente com o companheiro macho) escapa da jaula e mistura os ingredientes da fórmula, tornando então este filme sem drama em um dos exercícios mais complexos e teóricos da carreira de um cineasta que vivia com a mais simples das máximas: um grande filme tem três boas cenas e nenhuma ruim.

Pois, como aponta Filipe Furtado, quando Grant toma a fórmula pela primeira vez, o cineasta nos convida a acompanhar calmamente o cotidiano da tarde subsequente, o que muda é que, agora, Grant interpreta um jovem de 18 anos e não mais o homem de 48. O barato está em perceber como as mudanças nas personalidades dos personagens, ou seja, na interpretação dos atores quando expostos à fórmula da juventude, os alteram internamente, mas não alteram a cena ao seu redor. O mundo segue o mesmo, mostrado da mesma maneira, mas o efeito que causa também no espectador é diferente. Hawks não muda a maneira de filmar, mas sim seus protagonistas de interpretar. Não há qualquer corrupção na estrutura do filme, não há qualquer violação por parte da câmera, ou alteração dos cenários ou fotografia. Toda a mudança é interna.

A atuação como tema já havia sido abordada por Hawks em Suprema Conquista (1934), filme onde um diretor de teatro conduz uma atriz sem habilidades à Hollywood, e é possível observar tanto a construção dos personagens dentro do filme, como a deles como seres diegéticos. Ao final, o diretor tem de ele interpretar uma farsa para convencer a atriz a trabalhar com ele mais uma vez, e ela, agora transformada em estrela, vai da inexpressividade com que atuava nas cenas de teatro à teatralidade com que se comporta como estrela de Hollywood, uma inversão curiosa e certamente proposital.

É possível também entender Monkey Business como um experimento de devolução: a partir da influência do macaco, inconsciente em suas ações ao misturar a fórmula (e que coisa preciosa o bichinho), os adultos voltam a aproveitar e se divertir com o mundo e, mesmo quando não afetados, a acreditar no extraordinário (nenhuma das pessoas estava sob efeito da fórmula quando acreditaram que Grant havia voltado a ser um bebê e considero brilhante que não haja um mínimo esforço do filme em justificar o rapto da criança posteriormente). A questão é: será que voltam a ser criança, ou voltam a ser primatas? A cena final, onde todos aqueles atores agem de maneira animalesca, se pendurando no teto e jogando água uns nos outros (na companhia dos macacos), me faz pensar que eles não rejuvenesceram, e sim voltaram a um estado primitivo, a uma recusa do naturalismo que já ali havia se tornado norma em Hollywood.

E quando vemos Cary Grant pintado de índio, brincando com crianças em meio a folhas que balançam com o vento, fica claro que mesmo um cineasta que não busca transcender é capaz de provocar uma forte resposta espiritual. Pois as crianças parecem, dentro de sua própria encenação (elas também fingem ser índios), mais austeras e controladas que os adultos quando sob efeito da fórmula. E Hawks, mesmo sem verbalizar, altera o seu efeito: ela não rejuvenesce os homens, mas sim o Homem.

Que volta, portanto, à natureza e à simplicidade, de um diretor que, ao apenas ligar a câmera e mostrar as coisas, revela também uma pureza por do mundo que muitos de seus contemporâneos esqueceram.

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