Crítica | YBN Cordae - The Lost Boy
Ocasionalmente tudo que precisamos é de músicas que nos façam sentir bem. Aquele álbum que se auto sugere quando não há nuvens no céu e o clima é suficiente pra ficar de manga curta sem passar frio ou para por um casaco sem passar calor.
É indiscutível a influência que a música tem sobre o humor de qualquer pessoa. O que você consome diz muito sobre seu estado atual e esse mesmo estado tem a propensão a lhe determinar alguma música que você irá se apegar mais. É o velho fator subjetivo que a música exerce sobre cada um de nós. As vezes não é sobre qualidade e sim sobre sentimentos e bom para nós se conseguirmos juntar os dois.
Dito Isso o ano de 2019 está sendo um tanto quanto melancólico. A música Indie em suas ramificações nos tem presenteados com ótimos trabalhos e que tem tomado conta do cenário musical impondo um certo nível de qualidade. “Remind Me Tomorrow”, o trabalho mais maduro Sharon Van Etten; o forte candidato a álbum do ano, “Titanic Rising” de Weyes Blood; o delicado “Emily Alone” da banda Florist e o ótimo álbum de estréia de Billie Eilish, “When We All Fall Asleep, Where Do We Go?”, são a representação dessa afirmação. Ótimos, mas carregando uma nuvem dramática consigo.
O cenário atual do Rap segue o seu padrão de crescimento exponencial do Mumble Rap, com pontuais álbuns de artistas conhecidos por um trabalho mais polido num todo e com mais ênfase em suas letras. “Igor” é uma obra prima conceitual mas não é exatamente o tipo de música que se escuta quando se está alegre passeando em um parque sábado a tarde. Pode-se afirmar que todos esperavam isso do novo álbum de Chance, The Rapper que há 3 anos, com Coloring Book, trouxe ar fresco para um gênero que cada vez mais ficava saturado. Bom, o álbum de Chance não saiu como o esperado. Felizmente, lançado no mesmo grande dia, “The Lost Boy”, de YBN Cordae, juntou os cacos e trouxe alguma felicidade para alguns corações quebrados.
O engraçado é que Cordae se introduziu ao cenário oficialmente respondendo uma “disstrack” de J.Cole sobre essa nova geração do Hip-hop. Ao mesmo tempo em que ele fala “I understand both sides, let me break it in half.”, em “Old Ni**as”, ele soa exatamente como se tivesse encontrado o perfeito meio termo. Os versos são absolutamente sensacionais e ele soa como o melhor dos dois mundos.
Diferente da maioria dos outros artistas do coletivo YBN, Cordae sempre pareceu mais focado em sua música do que qualquer outra coisa e todo esse talento se concretiza com o primeiro álbum do Rapper.
Lost Boy é extremamente pessoal. A narrativa do álbum versa sobre a perda de sua vó e o quão desorientado isso o deixou devido a ligação dos dois. A constante dúvida sobre onde você se encaixa no mundo e o consequente uso de drogas são duas coisas que o rapper lidou extremamente novo logo após a perda dessa figura afetuosa ela era, mas ao mesmo tempo em que conta sobre suas dificuldades, o álbum a todo instante procura um tom motivacional e inspirador como se buscasse nos dizer que independente dos acontecimentos que não temos controle e nossos erros derivados desses, tudo vai terminar bem.
Conforme o tempo passa, a facilidade em escrever refrões fica clara. “Have Mercy”, um absoluto banger, é inevitável e não vai sair da sua cabeça. Na mais suave, “Bad Idea”, com a participação de Chance, The Rapper, enquanto nos garante que tudo vai ficar bem fica nítido que Cordae também sabe cantar, como já havia sido salientado no primeiro Skit do álbum, “Sweet Lawd”. A mistura de Jazz e Gospel se incorporam a temática de suas letras e se encaixam como peças de tetris se encaixariam se um bom jogador estivesse jogando. Isso porque muito do que canta YBN Cordae parece improvisado. Ele imprime tamanha facilidade rimando que é perfeitamente razoável imaginá-lo simplesmente improvisando sobre as batidas que lhe são entregues e suas letras caindo sobre a melodia de forma harmonizada.
Como vai ficando claro na metade de seus 45 minutos, as features acabam tomando conta do álbum. RNP é inexplicável. Sobre uma batida extramente atmosférica produzida por J.Cole como se fosse algo que DR. Dre produziria para Eminem em sua melhor fase, Anderson Paak está incrível, provavelmente em seu melhor momento - de todos - enquanto troca linhas com Cordae. A química dos dois não poderia ser mais natural e sinceramente não consigo pensar em algo mais contagiante que essa música no momento em que escrevo esse texto. É como se ela simplesmente despertasse o cantor e dançarino dentro de mim e me obrigasse a entrar num carro, botar um óculos escuro, apoiar meio braço pra fora e sair dirigindo.
A track Nightmares Are Real conta com um Pusha-T excelente e dominante como sempre. A esse ponto, depois de Daytona, ao se introduzir como “King Push” aqui não temos nada a fazer a não ser concordar. Na contemplativa e quase terapêutica pra qualquer um que tenha passado por um dia ruim, “We Gon Make It” conta com um Meek Mill nunca visto, cantando diretamente de seu coração.
Talvez o único problema do álbum é que Cordae sempre se torna uma sombra de suas features. Vendo de modo geral, todas as músicas que contam com participações são ótimas e o forçam a elevar seu jogo, então esse ponto em questão não é de todo mal, mas a falta de uma identidade sua ainda é clara e a todo tempo deixa um gosto que a feature na verdade é o próprio rapper em músicas dos outros artistas. Cordae era o filho que J. Cole e Chance planejavam ter antes do último se casar e amar sua esposa.
A produção não é nada inovadora mas funciona em cima do contexto. As letras do Rapper mostram que ele se sente a vontade onde a geração anterior a sua se habituou. YBN Cordae achou seu nicho. Ele tem algo a dizer e quer dizer. Quer falar sobre perdas, alguns problemas banais, sobre a montanha russa que é a vida e sobre Deus, e para um contador de história nenhum momento supera o de estar contando uma história. Na última música do álbum, que funciona perfeitamente como o outro do LP, o garoto perdido com certeza achou sua zona de conforto e o potencial para ele se aprimorar dentro dela é gigantesco.
“Yeah, I was a lost boy, but now I’m found”
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