Crítica | Harry Potter e As Relíquias da Morte: Parte 1

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O PRIMEIRO FILME DA SAGA “HARRY POTTER” SEMPRE SERÁ UMA LEMBRANÇA MÁGICA.

Lembro não apenas de ter assistido nos cinemas com minha mãe, mas também de minha prima me contando sobre a história. Minha mãe havia perguntado se era um filme apropriado para crianças, enquanto ela respondeu que tinha algumas coisas assustadoras, como um cachorro de três cabeças (entre outras que enumerou). Dentre as cenas, aquela onde o espírito de Voldemort atravessa o corpo de Harry é a única que me lembro realmente da sensação que tive quando a assisti pela primeira vez, cobrindo o rosto de medo.

Desde então, foram incontáveis revisitas: em VHS, DVD, online, maratonas periódicas, etc. Mas, dificilmente, eu era capaz de separar o apreço que sinto não só pelo filme, mas pela saga em si, do meu olhar imparcial. Portanto, decidi maratonar todos os filmes, com olhos mais treinados, tentando ao máximo ler o que está na tela sem deixar que a nostalgia me leve pelas cenas e falas que sei de cor, e com o objetivo de descobrir o porquê de terem me marcado tanto e o porquê de parecerem mais relevantes do que nunca agora, em 2020.

O resultado vocês leem a seguir.

As críticas dos outros capítulos da saga podem ser lidas aqui: A Pedra Filosofal, A Câmara Secreta, O Prisioneiro de Azkaban, O Cálice de Fogo, A Ordem da Fênix, O Enigma do PríncipeAs Relíquias da Morte: Parte 2.


Lembro vagamente de quando anunciaram que o último capítulo de “Harry Potter” nos cinemas seria dividido em duas partes,

mas lembro bem de como a moda pegou e uma infinidade de séries adolescentes inferiores adotaram a mesma tendência em busca de dinheiro. Enquanto, no caso dos filmes inspirados nos livros de J.K. Rowling, a sensação é um misto de merecimento, presente para os fãs e, principalmente, necessidade narrativa.

Defendo que ao menos “O Cálice de Fogo” e “A Ordem da Fênix” teriam se beneficiado de mais tempo de tela, e já que filmes de quatro horas não são “viáveis” comercialmente, não me incomodaria se fossem necessários dois filmes diferentes para trabalhar os temas da melhor maneira. Como é o caso deste “As Relíquias da Morte” onde fica claro, quando revisto, que o diretor David Yates optou por utilizar a “Parte 1” para desenvolver seus personagens, ao passo que sua continuação amarraria todas as pontas soltas.

Iniciando o longa nos relembrando como aquele mundo um dia feliz se tornou um prelúdio aterrorizante da guerra que estava por começar, Yates extrai do roteiro de Steve Kloves todo o senso de urgência, mostrando como não apenas o mundo dos trouxas pode ser afetado por Voldemort, mas como Harry deixava de ser adolescente para se tornar um jovem adulto, símbolo do movimento de resistência e alvo principal do inimigo. Transição esta que pode ser visualmente representada por Edwiges que, ao tentar salvar Harry de um Comensal da Morte, é assassinada em um último ato de lealdade ao amigo que acompanhou por todos estes filmes. O fato de Harry nem ao menos ter tempo para vela-la, e o desesperador “não” que escapa de sua boca, me fazem lacrimejar mesmo agora ao escrever este texto - afinal, se há algo de realmente mágico em nosso mundo é a lealdade de nossos animais, sejam eles mágicos ou não.

Além dela, o sempre divertido Olho-Tonto de Brendan Gleeson é morto fora de tela, o que assusta - e desaponta, é verdade - pelo fato de o mesmo ser um dos bruxos mais competentes do lado da Ordem, e George ganha um ferimento que poderia ser mortal em sua orelha, mas o mais perturbador é o fato de amigos de longa data terem de desconfiar uns dos outros por motivos que imediatamente entendemos, afinal, estamos versados no universo da série e suas poções polissuco - que providenciou uma cena hilária momentos antes - e transfigurações. Inclusive, este é o primeiro longa que não pode ser apreciado por desavisados, pois não há absolutamente nada de divertido em acompanhar os acontecimentos a seguir.

Se tornando também o primeiro da franquia a evitar o tom episódico, “As Relíquias da Morte” se mostra emocionalmente exaustivo para nós, espectadores, por abdicar da tensão provocada por eventos e mergulhar nas emoções conturbadas do trio principal. Após se infiltrarem no ministério e recuperarem uma das horcruxes, Harry, Rony e Hermione tem de fugir e se esconder enquanto tentam descobrir como destrui-la. Passando a ser afetados por ela assim como Frodo era pelo Anel (uma inspiração bem utilizada, e bem vinda, por Rowling e Yates), vemos suas inseguranças e como foram afetados pelo tamanho da tarefa que tem em mãos. Quando Rony explode, entendemos o porquê. Quando Harry não o impede de ir, também. Mas é Hermione, dividida entre o amigo e o amado, quem carrega a maior carga e Emma Watson se sai admiravelmente bem no primeiro filme onde praticamente divide o protagonismo com Radcliffe.

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Beneficiados por um design de produção, figurino e maquiagem que conferem visualmente o desgaste provocado pela espera, tanto Watson como Rupert Grint atingem seus respectivos ápices na pele de seus personagens. Ela constantemente curvada e diminuta, ele com olheiras gigantes que refletem a insegurança e a paranoia em seu olhar. Ainda assim, é lindo ver como a ênfase nas habilidades de Hermione fazem valer toda a dedicação aos livros vista nos filmes anteriores, ao passo que Rony, após exorcizar seus anseios, retorna com toda a simplicidade e positivismo que parecem ter encantado ela durante todos esses anos. Pela primeira vez desde “A Câmara Secreta”, para Rony, e “O Cálice de Fogo”, para Hermione, é como se os dois não fossem apenas os amigos de Harry - mesmo que tivessem sido excepcionais como tais -, mas personagens complexos e com medos e vontades próprias.

Tecnicamente admirável, mesmo que não tanto como “O Enigma do Príncipe”, a fotografia com tons escuros do português Eduardo Serra não permite nem que os pequenos momentos de alívio cômico realmente nos aliviem, por mais que algumas tiradas provoquem o riso - como quando Rony entra demais no homem que se transformou. A fotografia é, também, bem utilizada por Yates nas tomadas noturnas por Londres onde uma quantidade considerável de efeitos especiais é utilizada com certo louvor, enquanto ele consegue provocar o senso de isolamento e assombro pertencente na escuridão nas sequências que se passam em Godric Hollow’s e na antiga casa da Ordem.

E se a falta de eventos poderia prejudicar o andamento da narrativa, Yates a pontua perfeitamente com momentos distintos de tensão - como aquele onde um rastreador sente o cheiro do perfume de Hermione mesmo que não consiga vê-la - e comoção, quando Harry e Hermione visitam as sepulturas de Lilian e James, enquanto a jovem acena com a varinha para materializar um simbólico buque de flores. Porém, a mais bela cena do filme - e ausente no livro - é aquela onde Harry e Hermione dividem uma dança e podemos ver toda a pureza de sua amizade, além do pouco de esperança que ainda têm. Conversando apenas pelo olhar, não precisamos de palavras para ouvir um singelo: “estou com você até o fim” estampado em seus rostos.

Construindo uma ponte para o terceiro ato com uma cena de perseguição agoniante e reforçada pela trilha sonora minimalista, Yates ainda encontra tempo para conduzir uma fascinante versão animada do conto dos três irmãos que, por si só, constata verdades ao mesmo tempo tristes e perturbadoras da natureza humana, e ver como Harry se utilizaria das mesmas três relíquias no filme seguinte conclui o arco de seu personagem de forma gratificante.

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Mas sabemos que um filme é especial quando este nos provoca diversas emoções, e se esta “Parte 1” é recheada de momentos assim, nenhum chega perto da morte de Dobby. Chorar pela passagem de um personagem fictício já é sinal de sucesso narrativo, mas chorar pela morte de um ser criado digitalmente é algo possível apenas por conta do nosso investimento em um mundo que, por mais mágico que seja, se tornou dolorosamente real a cada filme. Se antes explorar Hogwarts - que nem aparece aqui - e os feitiços e as criaturas era algo que provocava fascínio, agora que já estamos acostumados é como se pouco efeito provocassem em nós. Afinal, o principal motivo de muitos amarem “Harry Potter” não é pela magia, mas pelos personagens que, com ela, convivem.

E se eles estão tristes e emocionalmente exaustos, “As Relíquias da Morte: Parte 1” faz questão que nos sintamos da mesma forma.

9.1

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