James Taylor e Elton John, que aula de música.
Quando o Elton John veio pra Porto Alegre, em 2013, e eu deixei de ir no show pra não gastar, lembro que fiquei alguns meses me chicoteando. "Ele não vai voltar pra cá"; "Mãe, estamos repetindo a Tragédia Winehouse" - relembrando-a o infeliz dia que decidimos não ir até Florianópolis pra ver o show da cantora, para que ela, 1 ano depois, infelizmente nos deixasse. Não estava rogando praga no Elton, mas, bem, ele já está mais velho.
Dado o contexto, assim que a turnê atual dele anunciou passagem por aqui, tive certeza que precisava ir. E assim se fez.
Os artistas que se apresentaram ontem no Anfiteatro Beira-Rio (que, novamente, não me deixou nada a reclamar - exceto pela sempre irritante pia extremamente mal planejada do banheiro) tem fãs de todas as idades, porém, sejamos sinceros, concentra uma maioria destes na parte mais velha da pirâmide demográfica. Sendo assim, minha namorada me deu a oportunidade de curtir esse evento com os meus pais e meus avós, e lá fui eu, bem feliz. Conseguimos, eventualmente, chegar ao reduto do show lá pelas 19h, a tempo de pegar um lugar decente na cadeira inferior e tomar uma cerveja.
19h56min, humildemente, entra James Taylor no palco, de camisa azul e boina na mão.
Confesso que não conhecia tanto do trabalho dele, então decidi deixar o show do cara me surpreender. E, caralho, surpreendeu. Positivamente.
Sir Elton John está entre os artistas que cresci ouvindo, assistindo a shows em casa, no agora estragado DVD player, uma influência que me fez me interessar muito mais por música, pelo inglês e me levou a tocar piano. Então, eu já esperava um show ótimo. Mas James Taylor chegou com uma banda irretocável, num espetáculo sensível e intimista, que deixou para John, último da noite, a árdua missão de fechá-la com chave de ouro.
Taylor tocou clássicos, covers, e entregou uma setlist super agradável, que teve muito folk e soft rock, passando por country e com momentos de ótimo blues. Apesar de ter o impedido de tocar a guitarra e o violão, seu dedo quebrado não foi empecilho para uma ótima performance: a voz do cantor, apesar ter menos força para atingir algumas notas muito altas, continua com o timbre impecável.
Antes de seguir noite adentro, eu não poderia deixar de comentar sobre a qualidade e o bom gosto das projeções e vídeos durante o show de Taylor. A maioria das músicas teve, nos três telões, apenas a visão das câmeras do show (pra facilitar a vida de quem está longe), no entanto, nas músicas em que houve uso do telão central para exibição de uma imagem ou vídeo, quase todas tiveram material bem feito e que acrescentou à performance da canção. O clipe exibido em "Fire and Rain"(se eu não me engano), foi de uma sensibilidade e beleza extenuante, de arrepiar junto à música sendo tocada ao vivo. Se eu tivesse encontrado esse material na internet (acredite, eu tentei) poderia dar certeza, mas o mundo não é perfeito, e não achei em lugar nenhum tal vídeo.
Não estou dizendo que foi ao mesmo nível de "This Is It", do Michael Jackson ou do "Mr. Screen" do Pink Floyd e mais recentemente, usado por David Gilmour, mas o conteúdo audiovisual foi suficientemente bom para ser considerado superior à vasta maioria de projeções que vemos em shows. Infelizmente, não posso falar o mesmo de Elton, querido, que teve algumas projeções no melhor estilo Windows Media Player do XP em certas músicas.
Contudo, a melhor surpresa da noite foi, para mim, a All Star Band que acompanha James Taylor. O tempo todo precisa, sem perder a espontaneidade e a sensação de que todos estavam se divertindo ao tocar. Na bluezeira "Steamroller", a banda se abrilhantou, com sintonia fenomenal e destaque para o solo de Walt Flower, no trompete, e para o solo de Larry Goldings, que mostrou um virtuosismo nos teclados que eu não via ao vivo faz muito tempo. Sem esquecer de mencionar, é claro, o showzáço particular do backing Arnold McCuller em "Shower the People". Contudo, as responsáveis por levar o público junto foram "You've Got a Friend", cover de Carole King, e "How Sweet It Is (To Be Loved By You)" cover de Marvin Gaye, que, seguida pela ótima "Shed a Little Light", encerrou o show com alegria e muita emoção.
e foi indo ao banheiro, na cadeira inferior, que percebi que não havia barreira nenhuma na passagem para a Pista Premium.
Então eu entrei. Dei uma volta. Pensei em ficar. Saí. Pensei se eu não estaria utilizando-me do terrível porém quase impossível de se livrar "jeitinho brasileiro". Dei uma volta, falei com meus familiares e disse "pessoal talvez eu vá pra Pista Premium tá sem barreira mas não sei se vou to pensando". E aí fui lá de novo... rato de show é foda: cheguei pertinho e já comecei a babar no palco. Dei mais uma volta, falei com um segurança, e falei foda-se. Eu posso ser correto e ético nos dias da minha vida em que não tem uma lenda viva a 200 metros de mim.
21h52min, e vem aquele cara, que de velho só tem a idade, brilhando num casaco azul cheio de pedrinhas, com óculos e camisa vermelha, pulando e abanando e rindo. Tão Elton.
À essa altura do campeonato, eu já estava vários metros mais perto da grade e alguns metros mais alto de cerveja, então quando o Sir sentou e começou a tocar "The Bitch is Back", não parecia mais um show de senhorzinho, e a platéia veio abaixo dançando. Cheio de energia na voz e na performance, emendou "Bennie and The Jets", embalando todo mundo sob a luz vermelha de um espetáculo que parecia vindo diretamente do auge do artista, nos anos 70, para então, dar "boa noite" e se apresentar. Logo em seguida, "I Guess That's Why They Call It The Blues", e só então uma acalmada, com a clássica "Daniel".
E assim seguiu a noite: recheada de clássicos. Eu poderia simplesmente seguir citando o setlist, mas isso somente não passa o que o show merece. Vou deixar o link pra lista completa aqui, que está bem certinha, e ir comentando o que me foi mais marcante. "Someone Saved My Life Tonight", logo após Daniel, foi a primeira a realmente me tirar do chão, pela emoção com a qual foi performada. Eu sempre admiro muito quando um artista consegue, apesar de ter apresentado uma obra centenas (quem sabe milhares?) de vezes, continuar transmitindo todo sentimento e a verdade artística que uma música pede, e é exatamente isso que aconteceu no show. "Rocket Man" foi outro exemplo. Após um solo foda pra caralho de piano do Sir, ele emenda a sua eterna balada espacial (talvez minha favorita, mas isso fica pra outro post), provocando um "aaahhhh" generalizado de prazerosa surpresa na plateia. Não bastasse a fabulosa introdução e a perfeita, tocante apresentação, ainda finalizou com um outro estendido pra mandar todo mundo pro céu.
O show chegava perto da metade e a cada música que começava eu sentia uma pedrada. Pra ser sincero, já tinha uma ideia do que seria tocado, mas a cada vez que uma música que eu amo de fato começava a soar do piano de cauda preto da Yamaha, vinha mais um "puuuta que pariu ele vai tocar essa música cara". Soltei outros palavrões comemorativos bem enfáticos ao início de "Tiny Dancer", "Goodbye Yellow Brick Road" e, é claro "Skyline Pigeon", o xodózinho brasileiro do setlist de John, que afirmou no show que "só nós gostamos dessa música".
E depois daí, o clima só subiu. As últimas 4 músicas antes do bis reenergizaram o Beira-Rio, e eu, que já tinha pulado e dançado como se fosse um show do Lollapalooza, me uni ao coro pedindo por mais.
Quando Elton John voltou, sentou-se ao piano e começou, sozinho, Candle In The Wind, eu pensei: "seria tão foda se os músicos fossem voltando pro palco e se juntando a ele". Aí ele chegou no primeiro refrão, e eu pensei "nah, não vai rolar."
Aí entrou o guitarrista. E o baterista, e o resto da banda, e aí eu falei:
Porra, Elton. <3
E ele encerrou com a maravilhosa "Crocodile Rock" - a essa altura do campeonato, todo mundo já sem voz se encorajou pro tão amado "laaaaaa lalalala laaa".
Sinceramente, o show do Elton John não me surpreendeu muito. Eu esperava um show incrível, ótimas performances, os notáveis músicos que o acompanham fazendo o que fazem de melhor, eu esperava uma sintonia fabulosa, ouvir e ver de perto o baixo de Matt Bissonette, a guitarra precisa, mas com coração, de Davey Johnstone, e, é lógico, ter a experiência de Elton John, sua voz, composição e piano incomparáveis, de perto. Não surpreendeu muito porque, tudo isso eu vi.
Mas ainda houve espaço para surpresas, como a presença de palco, a entrega à cada música, o som impecável. E maior delas, com certeza, foi o rock que eu ouvi. Elton John toca piano, sempre foi um artista masculino solo, e obteve muito sucesso pop com algumas músicas, mas pra quem conhece um pouco mais, é sabido que sua verdade sempre esteve mais próxima do glam-rock e do R&B do que do pop-rock, propriamente dito. No entanto, eu não esperava ver tanta paixão e intensidade no show de um veterano como Elton.
Eu estava preparado para ouvir algo meio regular, uma performance bem DVD, programada e robótica, completamente aceitável pra um cara de 70 anos em turnê mundial. Não tive nada disso. Tive um show presente, empolgado, emocionante. As músicas que eu pensei que, por tanto já terem sido tocadas, seriam menos interessantes para os músicos, foram performadas com energia e o afinco de quem quer melhorar e se diverte ao tocar elas cada vez mais com o passar do tempo, e não menos.
Tudo bem, as interações com a platéia foram poucas comparando-o com James Taylor, mas Elton parecia tão preocupado em entregar o máximo de sua música possível e da melhor maneira possível, que não estava disposta a gastar muito tempo de show com seu português fajuto. Não que isso tenha sido um problema no show de James, é apenas uma diferença, que é, inclusive, condizente com a atmosfera de cada um dos espetáculos. Enquanto o folk aconchegante de Taylor dá mais vontade de um papinho, a grandiosidade envolvente do piano-rock de John dá mais vontade de apenas aumentar o volume.
No fim das contas, uma ótima noite em Porto Alegre, cheia de música e surpresas boas, cheia de energia, dança, emoções. Emoções minhas, dos outros a minha volta, e a emoção alegre de sair da pista e encontrar os pais e os avós suados, saindo da pista, e não das cadeiras, porque "a gente também quis dançar".