Crítica | Kendrick Lamar - Untitled, Unmastered

álbum disponível no fim do post

Talvez mais do que em seus melhores trabalhos, a melhor forma de medir a qualidade e talento de um artista sejam naqueles menores, menos ambiciosos. Um artista bom pode se reunir com um time excelente e fazer um clássico, já um grande artista consegue entrar no estúdio para fazer nada mais do que tirar algumas músicas de sua cabeça, e disso sair um dos melhores álbuns lançados naquele ano. Depois da obra que foi "To Pimp a Butterfly", um registro histórico seminal, além de um trabalho extremamente pessoal e emocionalmente carregado, Kendrick tinha muito o que tirar das costas. 

Ele não poderia lançar outro álbum completo, ainda precisávamos de tempo para se acostumar e absorver o melhor álbum de 2015, então a melhor solução que ele encontrou foi juntar os restos de seus trabalhos desde 2013 e reuni-los em uma compilação. Não há estrutura propriamente dita, são oito canções que tem como nome sua ordem de aparição e o dia em que foram gravadas. Apesar de que as datas sejam esparsas, é difícil de imaginar que a grande maioria das músicas aqui não foram pensadas para "To Pimp a Butterfly".  

A mais antiga delas é "Untitled 03", datada de 2013, e foi apresentada pela primeira vez em um programa de 2014, mas sua musicalidade fortemente inspirada em tropicalismo e world music parece muito pouco com "Good Kid Maad City". Um Jazz irregular, que aparece fortemente após "04", é muito semelhante ao utilizado em faixas como "How Much a Dollar Cost". O Funk de "08" ou "Blue Faces", como ficou conhecida, pode lembrar um pouco do utilizado em "King Kunta". Até as batidas de "Levitate" (a primeira parte de "07") e da abertura com "01" lembram muito mais a atmosfera caótica de TPAB do que a crua realidade de "Good Kid". Ainda assim há muito menos preocupação com a finalização de cada canção, como o próprio nome do álbum sugere, muito pouco aqui foi realmente masterizado e isso funciona para o conceito, mesmo que exija mais esforço de seus ouvintes.

Não é um álbum agradável, e encontrar gratificação em todo seu conceito é mais difícil do que em seus trabalhos anteriores. O que faz com que a qualidade deste projeto fale mais alto é o quão devoto está Kendrick. Ele não é o tipo de artista que entra em estúdio para fazer qualquer coisa menor do que o seu melhor, e a cada momento ele lembra disso. Em "01" sua descrição sobre o fim do mundo é tão forte que quase podemos enxergá-la. Na maravilhosa e pesada "02", ele estica seus vocais quase que como em um choro na primeira metade, e então muda drasticamente para um Flow assassino na segunda, enquanto descreve os mesmos problemas internos que o atormentaram em TPAB. "Get God on the phone" ele grita. Em "05" ele está com raiva falando sobre a desigualdade social, o que provoca um contraste agoniante entre seus vocais e o refrão na voz de veludo de Anna Wise. Cee Lo Green empresta sua voz para um Jazz profundo sobre aceitar as diferenças em "06", enquanto ambos narram histórias de uma infância a muito acabada. Em termos de performance, talvez ele esteja em seu auge, te convencendo de tudo que quer que você acredite com suas rimas. 

Talvez a música que melhor represente o senso de não finalização do álbum seja "Untitled 07". Dividida em três partes, tem na primeira, "Levitate", um dos melhores freestyles da carreira de Kendrick, onde ele parece falar sobre o fim de um relacionamento, enquanto sugere alguns dos motivos desse fim por trás das próprias entrelinhas. Sua segunda parte é dotada de fortes figuras de linguagem, que vão desde sua carreira à sua auto-confiança, enquanto na parte final ele esteja talvez tentando reatar o mesmo relacionamento que parecia acabar em "Levitate". É uma bagunça, menos agradável de se ouvir que boa parte do resto do álbum, mas talvez a que melhor represente seus objetivos aqui.

A conclusão, "Blue Faces" é o melhor fechamento possível, mesmo que não seja uma escolha comum para encerrar um álbum. Seu Funk agitado e sua forte mensagem, sobre ver tudo de uma forma positiva contrastam com praticamente tudo que ele lançou nesses últimos dois anos. Há menos ironia que em "I" e "Alright", é um otimismo quase inteiramente confiável, e se encaixaria maravilhosamente em TPAB. 

"Untitled, Unmastered" é um álbum de sobras, que funciona por serem os restos de um artista genial em seu auge. Kendrick está tão impressionante aqui como em qualquer momento de sua carreira se não mais, e suas performances elevam cada canção não finalizada que por vezes podem ser complicadas de se ouvir. Fosse feito para ser um álbum, ou a segunda parte de TPAB, poderíamos estar falando de outro clássico. Como é, é um atestado de sua genialidade, mesmo quando ele não está tentando provar nada. 

8.6

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