Crítica | Kanye West - The Life of Pablo

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Não é raro de as palavras caos e obra prima ficarem próximas quando se trata de música. ‘Stankonia’ e ‘Kid A’ são exemplos perfeitos, e abrangendo outras áreas, ‘Mad Max’ não foge disso. Mas talvez nunca as duas estivessem tão ligadas, seja propositalmente ou por refletirem a mente do artista mais polêmico e interessante do século 21. Quase como um trabalho pela metade, que tem como principal atrativo a sensação de que falta algo mesmo estando transbordado de ideias, "The Life of Pablo" é talvez o álbum mais pessoal de Kanye após '808'. Falando sério, olhem para essa capa feita no Paint.

Falar que um álbum de Kanye West é bem produzido se tornou redundante, mas lançamento após lançamento a mudança no som é tão gritante que merece uma visão quase separada, a questão é que aqui isso extrapola. Se em The College Dropout são os samples, Late Registration é a orquestra, Graduation a grandiosidade, 808 o minimalismo, MBDTF um pouco de tudo e Yeezus a intensidade, aqui a melhor palavra é a inconsistência. O gospel se altera com jazz, que dá lugar à sintetizadores, passa pelo soul, flerta com R&B e se utiliza de diversos discursos e recursos quase visuais. Kanye nunca fica muito tempo preso a um som, o que deixa o sentimento geral de Pablo mais eclético do que a própria carreira de André 3000.

A vontade dele de explorar é tanta que todos os artistas convidados estão fora de sua zona de conforto. The Weeknd não usa seus falsetes, Rihanna entra com uma voz suave diferente do que mostrou em ‘Anti’, e até Kendrick Lamar utiliza uma voz e estilo de rimas pouco comuns. Surpreendentemente ouvir Chris Brown pareceu bom e esperançoso de novo, e Post Malone na eletrônica ‘Fade’ foi um risco e uma aventura bem sucedida. Até mesmo a estranha interpolação de ‘Panda’ de Desiigner, em ‘Pt 2’, funciona, melhorando a música original com um senso de caos completo, que vem logo após um começo fácil e que realmente abraça a música.

Mesmo assim tudo parece interligado pelo sentimento central de bagunça, que não deixa nenhuma música previsível. Onde achamos que vai haver um refrão entra um Sample, ou onde tudo indica um verso, um discurso ou sons aleatórios tomam conta. Estrutura não é uma palavra que possa ser utilizada para descrever este álbum, que por sua vez é dividido entre três tipos de músicas. Aquelas que estão prontas e finalizadas, aquelas que nem bem são músicas, e as que ficam no meio termo. Estranhamente o último grupo é quando o álbum chega a seu ápice.

Na segunda melhor peça, ‘Wolves’ é tudo que o gênio pode proporcionar. A música traz um senso de realidade assombroso, a ambientação é algo inexplicável, quase sendo uma música que afeta a todos os sentidos. Os versos de Sia entram como uma faca, e o final de Kanye é subjetivo e poético como poucas vezes antes em sua carreira, sem nunca deixar de passar o sentimento de ser algo proibido de ser falado. Poder ouvir Frank Ocean depois de anos também é algo gratificante, mas não deixo de pensar que sua adição à música podia deixá-la facilmente entre as melhores coisas já feitas por Kanye.

Mas o centro de tudo está logo na primeira faixa (e nossa escolha para melhor música de 2016). ‘Ultralight Beam’ é uma semi-obra de arte, honesta, bonita e tocante, com uma atmosfera extremamente envolvente. Demorei para perceber que não é a voz de Kanye que rima o melhor verso de Rap do ano, quando me dei conta, Chance The Rapper era a nova melhor coisa do mundo. 

Em outros destaques, estão a pesada e arrastada ‘FML’, que conta com The Weeknd provando que ainda domina o R&B mais obscuro, em uma música que casa muito bem com o estilo musical e lírico de ambos. ‘Feedback’ é sucinta, insana e com rimas fortes que prendem na primeira ouvida, "30 Hours" é uma longa narrativa, muito bem produzida e que se estica no tempo certo. A famosa ‘Famous’ (com as letras sobre Taylor Swift) é quase profunda com seus samples, e contém tudo de uma classic Kanye, além de contar com Rihanna em ótima forma. E aquele vídeo, bem, talvez o maior Kanye moment de todos os tempos?

Preferimos não colocar a famosa foto, mas olhem que bela cinematografia retrô!

Preferimos não colocar a famosa foto, mas olhem que bela cinematografia retrô!

Pablo pode ser uma obra prima caótica, mas não está livre de erros. ‘Lowlights’ conta com um discurso muito longo e que quase incomoda, ‘Father Pt 1’ é segura e acaba sendo pouco marcante, e como já falado ‘Facts’ não é uma música que case bem em um álbum e a todo momento queremos ouvir o que seria de ‘Famous’ se fosse de fato terminada. A sequência de "Highlights" e "Freestyle 4" contém algumas de suas piores rimas, mesmo sendo essenciais para a o senso de bagunça. Todos esses erros parecem propositais, é quase como o contrário de ‘Late Registration’, onde tudo é polido e preenchido com detalhes, aqui é quase como se tudo fosse preenchido com confusão.

Entender Kanye West pode parecer impossível até mesmo para ele, toda a expectativa criada em cima deste lançamento reflete sua carreira e ‘The Life of Pablo’ oferece sua maior tentativa de humanização. Enquanto alcançar seu melhor álbum (MBDTF) parece algo impossível, a palavra obra prima deve ser reutilizada, mesmo que as palavras bagunça e caos não possam ser desassociadas quando se falar de "Pablo" . Um álbum onde ele tenta se encontrar e entender tudo o que se tornou. Um álbum sem medo, com vontade de chocar e ser incompreensível, uma revisão do passado com um gosto interminável de futuro.

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