Crítica | Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo

Bem vindos ao anti-cinema

Filme mais comentado do ano é sintoma do fim da sétima arte


Foram muitas as mortes experienciadas pelo Cinema.

A invenção do som, da cor, do digital, da modernidade. A arte da tecnologia, que de mais próximo acompanha tudo que ocorre no mundo ao seu redor, nasceu fadada a uma mudança constante que, hoje, já não mais permite momentos duradouros. Tendências, no máximo, sempre se curvando ao caos de informações e estímulos que vivemos.

Enquanto muitos teorizam qual seria a próxima morte, eu diria que ela já vem acontecendo. Cada vez mais serializados, filmes não funcionam por si próprios, mas dentro de um universo compartilhado onde o próximo é sempre mais importante. Mas, pior que isso, eu diria que o problema pode ser diagnosticado dentro de cada quadro, como se a relação Cinema e Pintura estivesse pouco a muito sendo substituída pelos memes, reels e stories.

Bem, ao menos Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo tenta fazer isso de maneira substancial, sobrepondo uma infinidade de Michelles Yeohs em um mesmo enquadramento, sugerindo que essa pluralidade pode ser a nova forma de se encontrar individualidade. O que poderia ser algo bonito (e que outros filmes mostraram de maneira melhor), não fosse a relação intrínseca do filme com a cultura não do agora, mas do próximo slide. Querer encontrar beleza no achado da personagem de Yeoh é quase como acreditar que mesmo exposta a todas às possibilidades, a pessoa ainda escolheria viver uma vida miserável de pagadora de impostos.

E esse é longe de ser o único problema moral das escolhas formais do filme dos irmãos Daniel. Tal qual o terrível e, de certa forma semelhante, infomercial do Queen, todos os problemas da jovem Joy Wang são diretamente relacionados à sua homosexualidade, sendo que não é ela que atinge um estado elevado por abraçar a pluralidade, mas a mãe que tem que colocar senso na sua cabeça. Ainda nisso, a insistência (insuportável e sintomática do tipo de humor que as pessoas estão acostumadas) no universo das mãos de salsicha mostra que, justamente no universo mais estranho, é onde a personagem conservadora se revela homosexual.

E o problema desses cálculos errados na bússola moral do filme (não acredito que as intenções sejam ruins) é que eles se distanciam do que o próprio filme propõe. A premissa - tirada do episódio de Family Guy que, em 20 minutos, diverte e faz pensar mais que as 12 horas disso aqui -, e mesmo sua capa, sugerem algo que deveria ao menos ser criativo e expansivo, transcendental em como mostra tudo. 

Mas não, o filme é alérgico às imagens que cria, tanto pela fotografia inexplicavelmente desinteressada em focar seus atores, e com um tom destoante de verde musgo, mas principalmente pela lógica de suas cenas. Planos não podem durar mais de 5 segundos, afinal, o filme foi feito para os amantes de TikTok, não para aqueles que veem o potencial desperdiçado da tecnologia. Nem mesmo nas cenas de ação, onde Yeoh poderia brilhar, a dupla segura a câmera. Os ângulos TEM de mudar, a câmera TEM de mexer, uma nova referência TEM de aparecer, ou os espectadores podem preferir folhar o Instagram ao invés de assistir o filme. 

Gostaria de dizer que entendo quem se entretém por seu dinamismo, mas seria o mesmo que dizer que vejo arte nas dancinhas de 30 segundos que, pelo menos, parecem estar caindo em escárnio. Pior ainda, me impressiono com quem se emocionou com um filme que, pra mim, tem o impacto de sentar ao lado de alguém ouvindo vídeos no volume máximo, alienado ao que ocorre ao seu redor.

E é preciso destacar a ousadia de se comparar à Amor à Flor da Pele, em sugerir como um desencontro poderia significar novas oportunidades, sem perceber que acaba celebrando justamente um desprendimento também sintomático de perfis de auto-ajuda que se proliferaram com as redes sociais. Yeoh não se re-apaixona pela sua vida, ela inexplicavelmente escolhe a miséria emocional e financeira, porque supostamente é isso que todos devemos fazer.


POR UM NOVO CINEMA

Não foram poucas as pessoas que falaram em clássico instantâneo, ou em algo que explora todas as possibilidades do Cinema (suspiro) com este filme.

Não acho que estas pessoas estejam necessariamente erradas, afinal, Tudo em Todo Lugar… eleva à enésima potência o que faz a Marvel e pode, como comentei lá no início, representar uma nova morte do Cinema - o que não necessariamente é uma coisa ruim.

Pense, entre este e os últimos filmes de heróis, quantos grandes PLANOS tivemos? Sem se ater à detalhes de enquadramento, quantas imagens marcantes estes criaram? Muitos estímulos, muita coisa acontecendo, mas nunca nada em prol das imagens que assistimos e registramos. São filmes que celebram o vazio das redes sociais, que não encontram beleza na pluralidade, mas a utilizam como forma de mero entretenimento

E se este é o futuro do Cinema, então sua próxima morte é justamente essa, deixar de ser arte e virar uma amalgama de imagens que, diferente do que fizeram Vertov, Buñuel ou Godard, não procura representar nada exceto a necessidade da próxima.

Chega de emoções e sensações. O novo Cinema se move a estímulos.

2

Ps.: ri algumas vezes e gostei da sequência das pedras. O filme podia melhorar se acabasse ali, mas continua por mais umas três horas ou algo do tipo.

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