Crítica | Fim dos Tempos

UM CINEBA B (QUASE) TRANSCENDENTAL

Em um de seus filmes mais controversos, M. Night Shyamalan


Se você é como todo mundo, provavelmente lembra de ter assistido à este clássico da TV a cabo brasileira e entrado na onda de ódio à tudo que M. Night Shyamalan lançou entre A Dama Na Água e Depois da Terra.

É fácil criticar Fim dos Tempos, um filme de terror apocalíptico tão tosco que faz algo como O Fim (esse mais claramente uma comédia) quase parecer verossímil. As interpretações exageradas que devem ter deixado os atores com dor nos olhos, os diálogos falados com uma seriedade falsa, a premissa meio explicada meio tanto faz de Shyamalan, literalmente um prato cheio para os que assistem filmes com uma cartilha e caixinhas para marcar os erros e acertos.

ÀS VEZES GÊNIO INCOMPREENDIDO

Me considerando nem tão pra lá nem tão pra cá no cabo de guerra da cinefilia brasileira, acho que Shyamalan erra - e muito - em vários de seus filmes e principalmente aqui, mas são erros quase sempre específicos. Anos depois das primeiras vezes que o assisti (em fragmentos esperando a FX começar a passar Family Guy), e com mais de 1000 filmes na conta desde então, as mesmas coisas que funcionam em todos os seus projetos estão evidentes: Shyamalan sabe criar os universos ideais para suas ideias piradas, mas parece que sempre esbarrar em algo no meio do caminho.

Intencionalmente um filme B, com um apreço pela imagem como maneira de registrar o extraordinário em sua narrativa, Fim dos Tempos tem muitos olhares procurando algo e enxergando nada se não a opressiva indiferença da natureza. Por mais tosco que seja, há algo de profundo em Mark Whalberg arregalando os olhos procurando respostas nas árvores, que apenas… estão ali. É quase como um exercício inútil de se criar um filme Hitchcockiano, pois diferente dos Pássaros, as plantas são tão parte de qualquer paisagem que a mancha se torna invisível.

Lembra também o Cinema de Kiyoshi Kurosawa, mais especificamente os geniais Cure e Pulse, tanto em premissa como na lógica geral da encenação (mesmo que em ambos esses os atores sejam conduzidos à reduzir suas expressões), diminuindo personagens perto dos arredores ameaçadores sem fugir do minimalismo na mise-en-scène, e encontrando na conexão desses personagens uma maneira de salvação. A cena final, onde Whalberg e Deschanel caminham em direção um ao outro é das mais singelas da carreira de um dos cineastas da atualidade que mais acredita no poder da fé, e não tem medo de transparecer isso.

ÀS VEZES EGOCENTRICO PERDIDO

Onde Shyamalan erra, no entanto, é em trabalhar as escalas macro e micro, de longe seus maiores problemas como roteirista e diretor. No fim, o acontecimento é apenas em parte dos Estados Unidos, o que diminui a potência da situação e limita o que deveria ser a apreensão causada por um inimigo imbatível - mas pior que isso, ele falha em situar a crise, alternando entre momentos onde os personagens se encontram isolados de qualquer informação com outros onde ele não resiste em tentar conectar núcleos distintos para gerar essa apreensão que ele mesmo abriu mão.

São justamente esses momentos específicos que mais afastam o espectador casual de seus filmes, resultando em cenas como a da questão matemática no carro e a da velhinha mostrando o vídeo do cara sendo decepado por tigres, inexplicáveis de um ponto de vista lógico e que ou tentam adicionar reflexões avulsas ou servem apenas como uma muleta para avançar a narrativa. Penso que tudo funcionaria melhor se escolhesse um ou outro: a família com problemas ou o mundo ao seu redor, não deixando sua curiosidade com a própria ideia o atrapalhar.

Essa paixão dele pela própria genialidade (mais do que visível em A Dama na Água) se mostra clara na sequência da velhinha no final, onde Shyamalan não resiste em tentar criar histórias dentro da história principal e por mais que suas habilidades como diretor o salvem volta e meia - a cena da boneca é bem cagante, mas tipo… -, não é como se um filme que, em suma, acaba sendo sobre reflexão e niilismo, fosse se beneficiar de um momento puramente iconográfico e sucinto do horror. Talvez Shyamalan não tenha liberdade ou mesmo interesse em fazer um Apichatpong, mas Fim dos Tempos flerta demais com a estética do diretor Tailandês para que não se trace o paralelo.

O que torna sua tendência de roteirizar excessivamente em algo ainda mais prejudicial: as explicações científicas (que afetam Tempo da mesma maneira) não só são desnecessárias, mas tentam puxar pra lógica um Cinema que sobrevive de emoções e sensações.

Assim, fico com a mesma sensação com este filme que tive com os outros que não gosto tanto do cineasta. Uma ideia interessante, uma mise-en-scène fascinante e singular, exageros e derrapadas próprias que impedem o filme de atingir todo o seu potencial.

Fim dos Tempos é bom justamente naquilo que muitos criticam, mas também um erro por tudo que desperdiça.

6

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