Crítica | Bel-Air

algumas coisas nunca mudam

Bel-Air é ao mesmo tempo uma homenagem e uma releitura, que lembra com carinho do passado mas busca trilhar seu próprio caminho


O ano é 2006 e a Nickelodeon tem uma sessão noturna chamada Nick At Night, onde shows como Alf, A Família Adams, Agente 86, Família Monstro, entre outros, são revividos na televisão brasileira e fazem o Marco de 10 anos ir dormir tarde em dias de escola.

Um daqueles shows, é claro, fez mais sucesso que todos os outros em sua reprise: Um Maluco No Pedaço, que transformou o então rapper em ascensão Will Smith em um dos maiores - e últimos - astros do Cinema.

Lembro de assistir o teaser de 2019, e a reunião de elenco durante a pandemia, e ter uma ponta de esperança que algo fosse feito com a série. Logo, quando Bel-Air surgiu nas notificações do Star+, a vontade só foi travada pelo meu desdém por séries… até que um amigo me indicou poucos dias depois (a coincidência) e o sono me impediu de assistir um filme de duas horas antes de dormir, decidindo assim dar uma chance e… assisti metade em uma noite que terminou as 4h30 da manhã.


REFERÊNCIAS E NOVIDADES

Poucas coisas são tão legais no Cinema quanto pegar uma referência a algo que você gosta/gostava quando era pequeno, e mesmo esta prática tendo sido banalizada nos últimos anos (a Marvel tornou o Cinema em um artigo de portal), um sorriso me vinha a cada pequena piscada à série original. Desde às mais singelas citações à música tema, à maneira como a série transforma em ícone Will virar o casaco do avesso.

Mas essas referências funcionam porque são o que são, pequenos momentos de presente aos fãs e não o objetivo principal. A principal razão de Bel-Air funcionar é porque anda com pernas próprias, sem medo de não apenas atualizar a original, mas tomar decisões próprias.

A mudança mais crucial (diferente dos portais que se apegam a cada diferença de cada personagem como se as pessoas não fossem capazes de perceber sozinhas) é visivelmente o orçamento. Enquanto a série dos anos 90 era uma clássica sitcom com poucos cenários, paredes de papelão, tetos inexistentes e uma quadra de basquete tamanho mini com coletes emprestados do colégio mais próximo, a refilmagem se aprofunda na Los Angeles que tem importância tão grande na narrativa.

Design de produção e fotografia andam juntos: as ruas da Philadelphia são mais escuras, com um contraste maior e uma sujeira de metrópole mais aparente, enquanto LA (a parte rica, claro) alterna entre as luzes marcantes e de cores contrastantes das festas noturnas, a esterilidade da casa dos Banks (muito branco, inclusive) e uma visível neblina nas externas diárias que remete à toda iconografia da Cidade dos Anjos. Como Jazz diz em seu monólogo inicial (e que termina a primeira temporada de maneira brilhante), é uma cidade com um esplendor que cega todos aqueles que se entregam às suas muitas tentações.

E claro, se a versão original era uma sitcom com momentos (genuínos) de drama, o que vemos aqui é um drama que não foge muito do que outras séries similares fizeram, mas que carrega em si algo que falta à boa parte de tudo que é feito para a televisão e/ou streamings: alma.

Muito pela nostalgia, mas mais ainda por conseguir preservar uma sensação singela de juventude, Bel-Air se afasta das Riverdales da vida ao abraçar seu melodrama de maneira otimista, não se entregando à pseudo-depressão adolescente ou fabricando algo para a geração Tik-Tok. Os momentos “woke” podem ser um pouco demais (cada personagem marca um check na cartilha da diversidade), mas mesmo as tentativas de situar a série no presente soam orgânicas com o tom proposto.

Não que a encenação seja necessariamente natural (é legal ver como Will melhora gradativamente nas cenas de maior emoção), mas todos os atores estão confortáveis com o que tem que entregar, uma surpresa sendo que todos os episódios foram dirigidos por pessoas diferentes. Talvez tenha um pouco de acontecimentos demais para uma temporada só, com vários conflitos sendo resolvidos e abandonados fora de cena - as drogas na mochila de Will, a morte do traficante, os surtos do Carlton -, mas todos os núcleos funcionam de uma maneira ou de outra… com a exceção de tudo que envolve a Lisa.

É legal a ideia de colocar uma guria fora dos padrões de beleza pra ser o maior interesse amoroso, mas acaba se tornando uma decisão puramente de livro se a atriz é tão sem sal, carisma e, principalmente, química com Will como essa. Não só isso, é como se ela sugasse boa parte do que deveria ser a personalidade dele, além de a figura de “guria perfeita” não combinar muito com alguém que vai atrás do primo do ex-namorado sabendo dos problemas desse último. A esperança é que, numa eventual segunda temporada, deixem Will mais livre e a deixem de lado - mas acho que não vai rolar.

Uma pena mesmo, porque talvez o ponto mais forte da série seja justamente como a relação de cada um deles vai se aproximando, gerando momentos que, mesmo repetitivos (tem uns três discursos de gratidão paterna do Will com o Tio Phil), funcionam e elevam o nível das discussões sociais - que são bem variadas e fogem do comum, mas acabam aprofundando pouco. O próprio episódio do carro na série original, quando Carlton e Will são parados pela polícia, trabalha melhor a relação racial dos EUA do que estes dez episódios. Enquanto a diferenciação do Tio Phil com os votantes, e a relação dele com Geoffrey, são bem exploradas, talvez o melhor texto ali fosse o do Carlton, que é julgado como menos negro por gostar de carros de corrida e lacrosse, mas fora um confronto em uma festa (a tal Aisha deita a Lisa em uma cena), nada mais é visto disso.

Como alguém que não assiste séries, imagino que haja espaço para melhorias em temporadas futuras, mas daí vai de Bel-Air continuar (mandando bem) na corda bamba que é o balanço da nostalgia e da atualização e não se vender pras necessidades de mercado que certamente vão surgir.

Por hora, como um fã da original, Bel-Air foi como uma viagem de volta a infância, de quando assistia, e da adolescência, que vi em tela. Pode não ser uma obra prima, mas guardou um espaço especial ao lado das sessões diárias de Nick At Night, e isso não é pouca coisa.

7.3

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