Crítica | Kanye West - Graduation

álbum disponível no fim do post

Com "Graduation", Kanye West não apenas se assegurou como uma super estrela na música, mas como um ícone cultural que representa uma das maiores mudanças no cenário do hip-hop.

O mundo musical era bastante diferente em 2007. O hip-hop ainda estava em sua ascensão ao posto de gênero mais ouvido do planeta e o bling rap era sua principal arma, com 50 Cent sendo o arquétipo para a profissão. Bombado, com correntes, boné, cueca aparecendo e fazendo apologia à drogas, sexo e ao crime. Até então, a receita do sucesso. Kanye West, por sua vez, já fazia um sucesso estrondoso por conta de seus dois primeiros álbuns, mas sua figura era o oposto disso. O backpacker, como ele próprio se chamava, tinha mais interesse em discutir a sociedade e as pessoas que nela vivem do que se colocar acima delas.

O fato é que 50 Cent lançaria seu terceiro álbum de estúdio, "Curtis", em 11 de setembro de 2007 (deveria ser proibido o lançamento de qualquer coisa neste dia, consta-se), e Kanye West e o então presidente da Def Jam, Jay-Z, abraçaram a competição e adiantaram o lançamento de "Graduation" para o mesmo dia.

O resultado foi que "Graduation" vendeu 957 mil cópias em sua primeira semana, enquanto "Curtis" apenas 691 mil. O dia entrou para a história do hip-hop e consolidou Kanye West como uma das maiores estrelas do planeta, enquanto fez com que 50 Cent entrasse ladeira abaixo em sua carreira, levando o gangsta rap consigo. 

Mas "Graduation" é mais do que essa competição. Ele foi feito justamente com o propósito de ser mais apelativo para o grande público, Kanye não queria a complexidade que trouxe em seus dois primeiros álbuns, e sim algo que as pessoas pudessem se relacionar em uma escala mais introspectiva. Não existem skits ou músicas que se sequenciem aqui, são apenas 54 minutos, de acordo com ele próprio, de um álbum de músicas tema, onde cada uma é uma narrativa completamente diferente da anterior e ao final criam um trabalho grandioso em escala, mas economicamente compacto.

Ele manteve a temática escolar de seus últimos trabalhos, agora focando na graduação, o fim de uma época da vida e o começo da próxima. Logo na entrada, em "Good Morning", o ritmo é ditado. Uma batida ecoada e uma linha de baixo climática, que atinge seu auge com o coro que rega o refrão. Liricamente, estruturas simples de versos, que precisam de pouco para apresentar conceitos fortes. 

Good morning, look at the valedictorian
Scared of the future while I hop in the DeLorean
Scared to face the world, complacent career student
Some people graduate, but we still stupid

É uma faixa diferente de qualquer coisa que ele tenha feito antes, mesmo que puxe levemente para suas composições mais soul. Aqui a transição de complexidade para a simplicidade foi muito bem feita, com cada frase falando muito sem dar voltas. 

Enquanto "The College Dropout" tinha nos samples de soul seu esqueleto, e "Late Registration" era uma orquestra barroca que ocasionalmente te lembrava que estava ouvindo a um álbum de rap, aqui ele pegou inspirações de bandas como U2 e Rolling Stones, com fortes impulsos de músicas que são melhores ouvidas em um estádio do que na sua sala de estar. A música eletrônica também começou a chamar sua atenção, principalmente a house music, e após ser cru e clássico anteriormente, por vezes aqui ele parece um ser de outra era, mesmo que volta e meia retorne à suas antigas inspirações. Em um de seus melhores momentos, "Flashing Lights" parece ser vinda dos anos 3000, situada no Louvre, onde Da Vinci e Cesar se encontram e disputam uma Monalisa que tem atitudes mais enigmáticas do que seu próprio sorriso.

Em outros momentos de gênio ele contesta sua própria posição quanto à tudo que ocorre em sua vida, de longe o assunto mais interessante em sua carreira. Ele transforma "Harder, Better, Faster, Stronger" de Daft Punk em um dos samples mais bem utilizados na história da música em "Stronger", o ligando ao popular ditado "o que não te mata, te fortalece", tudo enquanto fala sobre uma mulher que poderia ser sua black Kate Moss. "Can't Tell Me Nothing" é uma assombrosa exploração sobre a fama e de sua postura quanto à ela, enquanto ele critica seu próprio estilo de vida. A primeira frase deve ser a melhor em uma música cheia delas, mas talvez não seja melhor seguir seu conselho dessa vez, se você tiver um sonho em que pode comprar seu caminho para o céu, não acorde e gaste tudo em um colar. "Big Brother" é um de seus melhores trabalhos líricos e também um de seus momentos mais vulneráveis, onde ele homenageia Jay-Z em uma música feita para o "stadium status". 

Aqui ele ainda é o backpacker, mas deixa de ser o nerd para se tornar uma das crianças populares. Em diversos momentos ele flerta com o pop, simplificando tanto letras como produções a fim de tornar sua música mais próxima de seu público. A genialidade está no fato de que, no fundo, "Graduation" continua naturalmente complexo. 

Mas nem todas as notas são acertadas aqui. Todos adoramos a regada a auto-tune "Good Life", principalmente quando ela vem com um sample de "PYT" de Michael Jackson, ou sua carta de amor à Chicago disfarçada de uma garota em "Homecoming" (apesar de Chris Martin não ser de Chicago), mas em outros momentos sua ostentação não se faz tão eloquente. "Barry Bonds" é uma faixa de qualquer álbum de Lil Wayne, e assim como as "Drunk and Hot Girls" que Kanye insistentemente o aconselha a não se envolver, não deveria estar aqui. Talvez ele devesse ter ouvido o próprio conselho. "Champions" brevemente menciona seu complicado relacionamento com seu pai, mas é uma de suas músicas mais simplistas. E não me entenda mal, você pode se pegar preso nos refrões de cada uma, mas elas destoam do resto do disco. 

Ele se encontra melhor em seus vislumbres de passado, que servem como um excelente apoio e como novas investigações sobre sua complicada mente. O lindo piano da estonteante "I Wonder" o pega questionando o alcançar de sonhos e o que significa ir atrás deles, assim como a minimalista "Everything I Am" onde ele reconhece que todo o tortuoso caminho o transformou no que é hoje (por sinal, ambas faixas foram inteiramente escritas e produzidas por ele). Em "The Glory" um coral aquece letras que se preocupam mais com  Louis Vitton do que com a glória de Deus. Não é nada profano, apenas um reflexo de seus interesses no momento. Suas rimas não estão exatamente melhores, mesmo que as performances concisas sugiram isso.  

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Uma das únicas tentativas de construção de algo está no final, na modesta "Good Night" com seu belo piano distorcido e em suas cordas desengonçadas. Aqui ele resume os sentimentos de "Good Morning", aonde ele acorda para o mundo e para todos os obstáculos da vida pós-universidade e, ao invés de se preocupar, ele decide que o melhor é aproveitar cada momento como se fosse o último, resumindo o objetivo do álbum.

"Graduation" não é o melhor disco de Kanye West, mas é sem dúvida um de seus mais populares. Apesar de seu valor conjunto estar na força individual de cada canção e apesar de que definitivamente existam inconsistências, esta é uma verdadeira realização artística, onde Kanye começou a expandir ainda mais seus horizontes.

Uma porta de entrada e de transformação para a música ao seu redor, é uma conclusão não perfeita, mas extremamente humana e relacionável para sua excepcional trilogia escolar (que talvez ainda se torne quadrilogia). Aqui foi o auge de sua popularidade sem que a maior parte dela se devesse por conta de todas as polêmicas, um fato divertido de se pensar. 

8.4

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