O Tiny Desk Brasil e a padronização criativa
É um início desanimador para um projeto de tamanho potencial.
Apesar de divertido, Tiny Desk Brasil é um produto genérico que desvirtua completamente o programa original.
Vivemos em um período complexo na indústria criativa. Já completamente imersos na era do capitalismo de big data, onde o foco está na exploração econômica de dados gerados pelos usuários, sofremos com uma prática muito utilizada pelas big techs chamada de datificação, que acaba transformando ações sociais em dados quantificáveis para monitoramento e predição. Assim, a nova tendência é criar conteúdos a partir de fórmulas e combinações matemáticas testadas e validadas pela análise massiva de dados de consumo dos usuários, que resulta em uma homogeneização, uma “padronização criativa”.
Isso é muito perceptível no nosso dia a dia. Ao olharmos para os novos lançamentos da indústria audiovisual, o aumento dos remakes, spin-offs, reboots e outras obras baseadas em produtos que já existem é gritante. Na música, até mesmo os artistas mais renomados e populares do mundo não buscam a inovação, e lançam projetos brandos focados exclusivamente nos números que irão alcançar. Até setores como o da publicidade sofrem com isso: o uso de IA generativa vem aumentando e o resultado é que tudo fica sem alma. Sem sal. Um grande bloco de comida ultraprocessada.
"Com os processos criativos pautados por informações extraídas da análise de dados, talvez não estejamos ficando menos criativos, mas pobres em experiência." (CAPANEMA; GONÇALVES, 2024, p. 25)."
O espaço para ser genuíno, disruptivo e inovador está cada vez mais distante do mainstream, sendo reservado para - salvo algumas exceções - artistas emergentes e produções menores, ou artistas e produtores que não tem no lucro o seu principal objetivo.
Eu passo longe de ser um saudosista. É claro que existem produtos artísticos com muita qualidade surgindo diariamente. Esse é o caso do Tiny Desk Concert. Criado em 2008 pela rádio estatal estadunidense National Public Radio (NPR), o projeto cativou o mundo por sua estética única.
Ao colocar os músicos para tocarem em uma escrivaninha dentro do escritório da empresa, criou-se um ambiente intimista, capaz de proporcionar uma conexão maior entre o público e o artista. Além disso, o espaço limitado não permite a utilização de grandes recursos, o que obriga o artista a usar a sua criatividade, resultando em uma performance única.
Ao longo desses 17 anos de existência do projeto, o Tiny Desk virou um fenômeno cultural pop mundial e serviu de inspiração para diversas iniciativas interessantes, que captaram a essência da versão original e adicionaram coisas novas. Outros, porém, através da datificação, perceberam o apreço do público pelo programa da NPR e tentaram replicar o formato, como se fosse uma fórmula matemática.
O Tiny Desk Brasil é o segundo caso. É uma tentativa barata de surfar no hype de um dos projetos mais bem sucedidos dos últimos 20 anos. Os shows são feitos em um estúdio. Os artistas utilizam uma banda completa. O público não são os funcionários da rádio. Não se difere em absolutamente nada de qualquer outro show.
Assim, o que sobra é apenas o nome. O “Tiny Desk” do “Tiny Desk Brasil” deixa de ser um conceito e vira apenas uma marca. Sim, os números alcançados são impressionantes. O episódio do Perícles bateu 2,5 milhões de visualizações em dois dias, por exemplo. O público, engajado ao ver um produto conhecido, se interessa. O artista, por estampar o logo do projeto ao lado de seu nome, se sente validado. Mas, até quando?
No momento em que se retira todas as características que fazem do projeto original algo único, o resultado é uma versão sem alma que, inevitavelmente, perderá o apelo. Em quanto tempo o fator novidade deixará de ser relevante e o público perceberá que não existe diferença entre o Tiny Desk do João Gomes e um show que ele faz em um programa de domingo na rede Globo?
Não estou dizendo que não se pode apreciar o Tiny Desk Brasil e que nada que sai dali presta. Fiquem à vontade. O ponto que quero trazer é: em um projeto com tanto apelo e investimento, porque não se utilizar desse conceito tão bem sucedido e criar algo mais autêntico, ao invés de apenas decorar um estúdio como se fosse um escritório?
O programa falhou em absolutamente tudo que se propôs a fazer, o que resultou em uma caricatura mal feita de sua versão original. Eu, como um grande apreciador do Tiny Desk, fico genuinamente frustrado.