Crítica | Quando o Céu se Engana
E O FILME TAMBÉM
UM FILME QUE PODERIA TER A CORAGEM DE DEIXAR DE RESPONDER SUAS PERGUNTAS
Texto de León Tourrucôo
Logo no começo do filme, Elena (Keke Palmer) pergunta a Arj (Aziz Ansari), nosso protagonista, se ele quer participar de um sindicato para se defender da exploração que sofrem da loja de ferramentas em que ambos trabalham. Ele fala que só está de passagem na empresa e recusa, dizendo que nunca nada acontece. Ela rebate, perguntando se a solução dele é desistir, o que ele responde dizendo que não tem uma resposta. O que se segue nos 90 minutos restantes do filme é uma mal direcionada tentativa de entender e resolver os abusos que a classe trabalhadora sofre na contemporaneidade.
Quando o Céu se Engana (2025), estreia de direção de Aziz Ansari, um ator de comédia conhecido por seu trabalho nas séries Master of None (2015–2021) e Parks and Recreation (2009–2015), é um filme de comédia que segue a história de Arj, um trabalhador uberizado em apuros, vivendo de bicos e morando no próprio carro após perder o emprego. Ele acaba conhecendo o rico techbro Jeff (Seth Rogen), que o convoca para pequenos serviços em sua mansão em Hollywood Hills. O anjo desajeitado Gabriel (Keanu Reeves) decide intervir promovendo uma troca de vidas entre Arj e Jeff, onde ambos se veem forçados a encarar mundos opostos: Arj experimenta o luxo e o privilégio, enquanto Jeff lida com a dureza da sobrevivência cotidiana. A confusão ganha contornos maiores quando Martha, uma anja mais experiente, tenta impedir que o engano divino cause danos irreversíveis.
A motivação de Gabriel para fazer a troca de vidas é para ensinar a Arj, visto pelo anjo como uma “alma perdida”, que o dinheiro não resolve seus problemas e não traz felicidade, fazendo com que ele encontre um propósito em sua vida de pobre. A partir dessa mudança, a tese principal do filme rapidamente fica clara: que os problemas de Arj são resolvidos por dinheiro e sim, não estar com problemas financeiros gera sim felicidade. O oposto acontece com Jeff, ele vive as dificuldades da vida de trabalhador precarizado, e não consegue ascender socialmente, entendendo que sua vida de rico tinha sido não por mérito, mas sim por suas origens.
O filme insiste de forma irritante na tese de todas as formas possíveis durante quase toda sua duração, encontrando contradições e mostrando as frustrações dos personagens, tanto do Jeff por perceber como e porque as pessoas são pobres quanto do Arj por perceber como e porque as pessoas são ricas. Informações que a classe trabalhadora está careca de saber. O interessante seria se o filme fizesse algum esforço de mostrar formalmente essas contradições, fazer o espectador SENTIR as contradições do capitalismo na pele, não somente ver a narrativa te contando que ela existe.
A cena em que Arj é demitido de seu trabalho como assistente não tem tensão nenhuma, é filmada com a mesma seriedade do que momento em que os o empregado e seu chefe estão dividindo uma burrata(que ocorre no mesmo lugar da demissão). O protagonista vive em seu carro, está endividado e não consegue guardar nenhum dinheiro, e não parece que ele está esgotado, triste e miserável (palavras que Jeff usa explicitamente para descrever a condição de trabalhador).
Aliás, formalmente o filme é uma bagunça, nem para tocar a história pra frente a linguagem serve. Em várias cenas de conversas íntimas, como a do Arj e a Elena na pista de dança, são utilizados planos abertos, sem um mísero corte no rosto dos personagens para sabermos como eles estão se sentindo. O timing cômico é horrível, a montagem e a blocagem deixam um monte de buracos entre falas e piadas, a maioria das cenas parece faltar uns três planos extras. Realmente fica clara a inexperiência de Aziz como diretor. Esse tempo de comédia que vejo pecar no longa não era um problema nos projetos em que ele participava somente na atuação.
UMA CONCLUSÃO COVARDE
Depois desse show desinteressante de repetição, o filme finalmente para de testar sua tese inicial ,fazendo uma pausa para uma cena de dança. Logo após, Arj tem uma conversa com o anjo Gabriel e tem a conclusão forçada de que a solução para seus problemas é “ter esperança”. Ele decide voltar para sua vida anterior, aplica para um novo trabalho e começa um relacionamento com Elena. Ela, por sua vez, decide continuar com o sindicato e ter esperança que, dessa vez… vai dar certo.
Ou seja, nem o filme tem esperança de alguma mudança, o que ele celebra é a tentativa. Nem na ficção os trabalhadores conseguem alguma vitória. Já o Jeff, depois de ser iluminado por essa experiência divina, decide dar melhores condições de trabalho para seus funcionários.
Leonardo Pedrosa, crítico e programador da Cinemateca Capitólio me disse uma vez que quando um filme está perdido e não sabe como se concluir, termina com uma cena de dança. Eu preferiria que o filme não soubesse o que ele é de verdade e tivesse terminado sem finalizar sua argumentação, cortando para os créditos com os personagens dançando, deixando a indagação de Elena, no início do filme, sem solução. Mas, o que se segue é a cena que descrevi dando uma resposta inconciliável com a realidade. Me senti como o protagonista de They Live (1988), quando obtém os “óculos da verdade”. Preferiria que o filme tivesse a coragem da inércia do que um filme que sabe muito bem o que está falando e tem a covardia de responder suas perguntas.
 
                        