Crítica | Entre Mulheres

“Isso é muito, muito chato”

Isso que diz uma das personagens enquanto escuta a discussão que vai definir os rumos de toda sua vida, em uma das muitas admissões de insegurança do roteiro de “Entre Mulheres”.

Inspirado na história real de mulheres moradoras de uma colônia religiosa que sofreram abusos sexuais contínuos de um grupo de homens da sua religião, o filme imagina o que aconteceria se essas mulheres se reunissem para decidir os rumos das suas vidas. Com um grande elenco, “Entre Mulheres” funciona como um filme de tribunal em que cada personagem ao longo de dois dias precisa dar seus argumentos para que elas decidam coletivamente ficar na colônia ou sair dela. Em muitos momentos o roteiro tem dificuldade de justificar a própria trama e a falta de ação das personagens rapidamente se transforma em uma série de falas expositivas com pouco significado que anulam as possíveis subjetividades de cada uma, o que torna mais difícil identificarmos as opiniões e argumentos das personagens sobre o que está em jogo. A direção opera na mesma lógica, os filtros cinzas, os enquadramentos óbvios e a mise-en-scene parecem oprimir as personagens e em nenhum momento trabalham para propor uma realidade alternativa a que elas vivem.

Logo após o prólogo, um letreiro entrega a relação delicada que o roteiro tem com sua história ao dizer “essa história é fruto da imaginação de mulheres”, a frase que tenta parecer um contraponto à narrativa dos homens da colônia que no primeiro momento falavam que as mulheres estavam imaginando os ataques que sofriam na verdade vem para reforçar que tudo o que vamos ver não passa de imaginação, não é algo que devemos tratar como realidade. E são muitos momentos que “Entre Mulheres” passa do limite para tentar deixar o público confortável com sua história sobre um tema muito pesado, isso começa com a inclusão do pior personagem de 2022, August (Ben Whishaw), o homem bonzinho que ajuda as mulheres da colônia a organizar sua reunião, sendo o relator e interesse romântico de uma delas. Todo papel dele no filme é nitidamente fazer o público masculino não se sentir excluído da narrativa e comprovar que existem homens do bem, e ainda passível de ser amado mesmo em uma sociedade em que os homens são tão ruins, sua presença enfraquece todo enredo central construído, e a atuação do Whishaw é horrorosa. Há também muita dificuldade por parte do roteiro de explicar nitidamente os argumentos de cada personagem para ficar ou sair da colônia, em um momento inclusive elas resolvem listar os “prós” e os “contras” para tentar facilitar a compreensão do público. E temos poucos momentos para nos conectar com as histórias de cada uma e os motivos para elas pensarem de um ou outro jeito, aliás, no começo sabemos que dentro do pequeno grupo de mulheres há 3 famílias representadas, mas as relações entre elas são muito difíceis de enxergar.

A direção empregada por Sarah Polley contribui para os problemas do seu filme, se o roteiro não cria as condições para entendermos as teses debatidas a fotografia nos afasta das atrizes, o visual quase sempre muito escuro, em tons de cinza busca criar uma atmosfera tensa e deprimida de maneira redundante uma vez que o drama das personagens é quase auto explicativo. A câmera não tem nenhuma cumplicidade com as mulheres que representa, retratando personagens sem vida com enquadramentos muito conservadores que não nos ajudam a identificar cada uma delas. Cada atriz ganha um momento oscar, aquele monólogo em primeiro plano com a cabeça um pouco deslocada para o canto esquerdo da tela na linha dos olhos e isso é o máximo que Polley oferece para suas atrizes. Muitas vezes parece que a diretora busca reproduzir o ambiente repressivo das personagens com sua filmagem, o que certamente é uma intenção artística, mas ao fazer isso a todo momento tira do público a possibilidade de enxergar diferença nelas ficarem ou irem embora, em nenhuma cena vemos o mundo por outros olhos que não esse, e por isso o final é óbvio desde o primeiro minuto até a última cena e é reforçado por cada linha de diálogo, o que não nos permite criar alguma expectativa ou reagir ao que está acontecendo.

“Entre Mulheres” é o único oscar bait verdadeiro que conseguiu indicações para o Oscar de 2023, o tema sério, o gênero, o excesso de elementos visuais sem significado, o roteiro ultra expositivo com longos monólogos didáticos e o uso exagerado da Frances McDormand para fazer campanha (a atriz tem algo como dois minutos de tela no filme) não mentem. Mesmo assim as atrizes são capazes de navegar as dificuldades impostas para suas personagens pela sociedade na sua volta e para elas mesmas pelo roteiro e pela direção e criam alguns momentos ótimos em que a tristeza que elas sentem é permeada por risos e brincadeiras e por mais que Claire Foy, Rooney Mara e Jessie Buckley liderem o filme, é a estreante Kate Hallet interpretado a adolescente Autje que é capaz de trazer o público para perto das discussões com muita habilidade navegando os sentimentos complexos e difíceis de “Entre mulheres” guiando o filme ao seu final esperado. Acredito que o maior defeito do filme no fim seja a tentativa de ganhar uma indicação ao Oscar (o que deu certo) ao abrir mão de uma trama concisa e com potencial imenso para agradar todos os públicos, “Entre mulheres” perde força e se torna um filme esquecível.

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