The 1975 | A Brief Inquiry Into Online Relationships
Nós precisamos falar sobre The 1975, ou melhor, eu preciso falar sobre The 1975. Mas não sei como abordar esse assunto sem antes falar desse ano que está chegando ao seu fim, esse ano que nos fez repensar tudo o que achávamos verdades absolutas, nos acharmos e perder-nos a cada grande mudança, e foram muitas, nesses doze meses.
Crises ambientais e humanitárias, a ascensão de extrema-direita e de valores conservadores, e o declínio cada vez mais evidente da confiança na democracia representativa. Além disso, nunca antes fomos tão dependentes da tecnologia para socializar, trabalhar e estudar. A porcentagem cada vez mais alta de estudantes universitários com pensamentos suicidas; e a indústria farmacêutica lucra mais que nunca com toda essa tragédia.
Falamos disso, pois “A Breif Inquiry Into Online Relationships” tem a pós-modernidade como uma espécie de musa inspiradora, ela é início, meio e fim na temática e estética das 15 músicas que completam essa obra. E também, é verdade que a arte vem numa crescente política nesses últimos 2 anos ou mais. Todos têm opiniões fortes sobre tudo e qualquer coisa, e todos querem deixá-las claras como cristal, pois opiniões vendem, e vendem bem.
Longe desse espectro de opiniões absolutamente rasas e escolher lados, e torcer como clubes de futebol; The 1975 fez um trabalho quase perfeito retratando as deficiências e fragilidades da pós-modernidade.
Agora, finalmente falando sobre música; eu particularmente nunca entendi bem a razão da grandeza da banda. Nos seus trabalhos anteriores, me empolgaram pouco ou quase nada. Em 2013 lançaram seu primeiro álbum, autointitulado, um projeto de 16 músicas que pega carona na identidade estética britânica pós Arctic Monkeys, altamente influenciado por emocore dos anos 90 como Mineral, e a produção voltada ao indie pop que inflava a cena musical na época.
No seu segundo álbum de estúdio, amadureceram algumas outras influencias já visíveis no álbum anterior, como Smiths, New Order e My Bloody Valentine. “I Like It When You Sleep...” foi lançado em 2016 e foi produzido como uma espécie de revival dos anos 80, sobrecarregado com timbres já clássicos daquela época, e timbres digitais da década de 2010.
A sonoridade de “A Brief Inquiry...” passa longe de ser a mais inovadora obra de arte de todos os tempos, mas foi escolhido com muito bom gosto, os violões foram gravados longe das grandes salas de gravação e estúdios, mas na cozinha de Matthew Healy, vocalista e frontman da banda. Healy também foi produtor executivo do projeto, juntamente com o baterista, George Daniel. E, pela primeira vez, o grupo trabalhou sem o colaborador de longa data, Mike Crossey, famoso produtor britânico conhecido por trabalhos com Arctic Monkeys, Foals e Keane.
Como de praxe em qualquer álbum de estúdio do grupo, uma faixa com o mesmo nome da banda, fazendo releitura a faixa do primeiro álbum, dessa vez trocou o coral por uma cama de vocais com vocoder, uma abordagem mais agressiva comparando as duas últimas aberturas. De carona no final da faixa inicial, a drum machine de “Give Yourself A Try” encontra o timbre de guitarra completamente saturado, bizarro, quase feio que dá início de fato ao álbum, a faixa é um grande ponto de interrogação pra quem esperava algo mais delicado e espacial, flertando com a sonoridade apresentada no primeiro disco da banda, mas a grande mudança são as letras, menos pretensiosas, menos abstratas e muito mais sinceras.
Matt há um ano vem se tratando do seu vicio por heroína, Healy disse algumas vezes que a produção desse disco foi a primeira vez que seu processo de criação foi inteiramente sóbrio, talvez a maturidade inédita das letras tenha começado ali, quando Healy decidiu se tratar do seu vício.
O álbum segue com um dos primeiros singles divulgados, “TOOTIMETOOTIMETOOTIME” fala sobre a desconfiança no outro, a partir das redes sociais e mensagens instantâneas. Mas a faixa não vai muito longe atrás de influências, busca ritmos e timbres já conhecidos do pop atual e também não acrescenta na construção do álbum como conceito.
“How To Draw/Petrichor” é o primeiro gatilho de curiosidade desde a faixa de abertura, a primeira parte da canção poderia tranquilamente estar inserida em alguma B-side do melhor álbum dos anos 2000, Kid A. Um toy Piano acompanhado por um arranjo de cordas discretíssimo, a partir daqui o álbum parece tomar outro rumo. Os timbres começam a ser escolhidos com mais primor e os arranjos a ter mais personalidade. A segunda parte da canção é um arranjo eletrônico que vem contrastando com a primeira parte da música de dois lados, conforme o instrumental analógico vai desacelerando, a canção abre alas pra uma das melhores músicas de 2018: “Love It If We Made It” é um retrato da pós-modernidade em tempos em que a democracia pede socorro.
Um pad despretensioso vem por trás de “Petrichor”, a canção é rápida, agressiva em sua própria maneira de ser, os vocais de Matt nunca soaram tão crus na discografia inteira, o verso é construído em cima desse ritmo marcial e um arpegio digital hipnotizador que nos acompanha por quase toda a música. No refrão a musica toma um rumo mais rítmico, mas ainda assim, não matando a tensão que vem construindo desde a introdução. Na ponte, o instrumental para, e o piano marcial fica marcando o tempo, e Matt faz uma espécie de contagem regressiva com tópicos usados na música.
Bon Iver e Elliot Smith tiveram um filho, e se chama “Be My Mistake”. A linda canção que abaixa o tom logo após o caos causado por “Love It If We Made It”. A canção é unicamente um violão acompanhado por um piano cristalino tocando muito discretamente no lado esquerdo do som. “Be My Mistake” é uma música de separação, Matt traça um paralelo entre dois ex amores, citando deficiências e eficiências de cada um.
Uma bateria levemente descompassada, uma progressão clássica do neo-soul e um arranjo de sopros. “Sincerity is Scary” foi o terceiro single promocional do disco, a produção junta todos os elementos numa salada de frutas que resulta numa experiencia auditiva muito fácil e agradável. Matt, novamente, não mede esforços pra denunciar os espasmos da pós-modernidade, o medo da realidade, a obsessão pela ironia como mecanismo de proteção contra a ansiedade e a insegurança.
Aqui é impossível não fazer o paralelo, “The Man Who Married A Robot” é uma espécie de “Fitter Happier” desse álbum. Assim como a música do lendário “Ok Computer” de 1997, a nona faixa desse álbum também é narrada por um robô, ou uma inteligência artificial. Siri narra a vida de um homem que tinha como a internet o seu melhor amigo, no qual poderia confidenciar tudo, e em troca, ela lhe daria tudo o que ele precisasse para suprir suas necessidades.
“Inside Your Mind” abre uma espécie de nova etapa no álbum, as influências de The National e Interpol são bem perceptíveis, por ter muita ambiência e pouca melodia instrumental, os versos tem espaços quase vazios para Matt progredir com a letra como quiser. O timbre agressivo de guitarra no refrão vai ascendendo até desaguar num refrão com um conjunto de cordas.
“It’s Not Living (If It’s Not With You)” é uma declaração apaixonada pelo seu vicio de longa data, a heroína. Healy narra com detalhes, suas conversas e experiencias durante seus dias de rehab, em meados de 2017, logo após o fim da turnê do seu segundo álbum. Com extremo sentimentalismo e sem nenhum medo de soar clichê, canta aos quatro ventos sua paixão pela droga.
Ainda sobre vícios e rotina de reabilitação, “Surrounded By Heads And Bodies” fala sobre Angela, que também era paciente na clínica de reabilitação de Healy. Matt conheceu-a nessa clínica em Barbados, e conversando os dois descobriram que viviam na mesma rua em Manchester. A canção é uma linda balada violão e voz, que desabrocha numa espécie de bossa nova, um momento semelhante a Faust Arp em In Rainbows.
Nem o bonito piano e nem a flauta ligeiramente desafinada da introdução lhe prepara para a balada que está por vir na décima-terceira música desse projeto. “Mine” é uma linda canção com um significado ainda mais delicado, em mi maior, Matt constrói uma linda tensão que se resolve com a entrada da bateria e sopro inspirados em Coltrane.
Casar é um conceito cada vez mais antiquado para as novas gerações, carreira, filhos, projeção de vida; conceitos cada vez menos globalizados. Healy dá voz a esse sentimento em “Mine”, que é sem sombra de dúvidas um dos cortes mais bonitos e genuínos nesse projeto.
Matt Healy gravou grande parte das guitarras no disco, mas a mais significativa delas foi, indiscutivelmente, o solo épico na balada soul “I Couldn’t Be More In Love”, no que ironicamente, seria a antítese de uma música de amor. A música muda de tom em seus momentos finais, o que ajuda a deixar os corais ainda mais altos e épicos, um dos melhores momentos (se não o melhor) de Matthew nos vocais.
O disco encerra com a épica “I Always Wanna Die (Sometimes)”, a sonoridade e composição obviamente inspiradas pelo rock britânico de arena dos anos 90, Blur e Oasis, com um “que” de Champange Supernova, o refrão épico e cheio de energia é o encerramento perfeito pra um projeto igualmente épico e renovador na carreira da banda, e da música britânica em geral. A atmosfera desse projeto foi visivelmente estudada e construída com muito esmero, desde as artes visuais das faixas, publicadas pela banda no twitter, até a forma que uma faixa encaixa na outra.