Crítica | Uma Batalha Após a Outra

O Fracasso da imaginação.

“Uma Batalha após a outra” e a incapacidade de pensar a realidade.

Uma guerrilha antifascista faz ações caóticas e violentas contra a prisão de imigrantes, bancos, políticos e a justiça. É um grupo de ação direta organizado, estruturado na desorganização dos seus integrantes, cada um deles com uma maneira diferente de interagir com a revolução que estão fazendo, uns são cômicos, outros comicamente sérios e nitidamente pensam de maneira diferente o que estão fazendo (ainda que a principal característica desses personagens é que eles só são capazes de falar em clichês). Essa guerrilha, no fim das contas, é muito mais um conjunto de individualidades do que um coletivo e é justamente dessas singularidades que emergem os protagonistas de “Uma Batalha Após a Outra”.

Porque ainda que no plano de fundo, e ao longo do primeiro ato, o novo longa-metragem de Paul Thomas Anderson trate da ação direta desse grupo, o tema que o diretor está interessado é no amor do personagem de Leonardo Dicaprio pela sua filha e suas muito atrapalhadas tentativas de reencontrá-la depois que é sequestrada (um ataque de guerrilha contra a franquia “Busca Implacável”). Essa busca desencadeia uma rede com guerrilheiros de esquerda, paramilitares supremacista de direita, crime organizado, imigrantes hispánicos de uma pequena cidade, alguns militares dos Estados Unidos e até um convento, todos ligados ao destino de DiCaprio e sua filha.

A busca do protagonista é a eventual reconexão dele com a filha, ao final a relação deles é muito melhor ainda que o diretor tenha sido incapaz de filmar isso, é o significado profundo do filme. Digo isso porque todos esses obstáculos só importam à medida que Dicaprio é capaz de superá-los, apesar de sua inaptidão para missões dessa magnitude, e fazem a sua filha lidar com o passado da vida dos seus pais no grupo de ação direta. Por isso, é tão impressionante a indiferença que o diretor trata o reencontro dos dois, logo após o momento de maior tensão do filme, o que temos são planos americanos contrapondo os dois, um abraço cortado sem nenhum cuidado e um clímax emocional numa cena seguinte que é apresentado, de novo, sem nenhuma imagem marcante, um momento de cinema, apenas a leitura de uma carta.

Num momento em que não existe alternativa de esquerda revolucionária há pelo menos 15 ou 20 anos (com raras exceções) no mundo, sinto que a imagem de um grupo de mulheres negras assaltando um banco com armas é muito mais fruto dos pesadelos da extrema-direita do que dos sonhos da esquerda. Não ajuda que Paul Thomas Anderson filma essas sequências (todo o primeiro ato) como as piores cenas de sua carreira, além da edição fazer tudo parecer um feed de tiktok, a câmera não é capaz de procurar a visão de mundo dos revolucionários. Na cena em que eles libertam o acampamento de imigrantes, por exemplo, Anderson não permite ao público ver a libertação dos imigrantes, preferindo a rendição dos guardas do exército e os foguetes lançados por DiCaprio.

Mas esses são apenas os problemas dos primeiros 30 minutos de um filme com intermináveis três horas. O conservadorismo liberal de Anderson, a sua incapacidade de pensar sobre a realidade, muito menos de fazer elaborações sobre ela, se manifesta no segundo espaço da narrativa, a pequena cidade que acolhe inúmeros imigrantes hispânicos, protegidos pelo instrutor de karatê, o Benicio del Toro. Esse personagem é a síntese da visão de mundo do diretor: superficial, existe apenas para nos mostrar uma rede subterrânea de imigrantes escondidos (mais uma vez a sensação é de estar vendo um pesadelo de um político de direita), não tem nenhuma presença em tela que não seja totalmente instrumental, apesar de se prolongar, Anderson não demonstra, mais uma vez, nenhuma vontade de nos mostrar a perspectiva de um personagem fundamental para o ecossistema da trama e para a parte da história que se engaja com a política norteamericana de hoje.

O grande problema do novo longa de Paul Thomas Anderson é que nitidamente ele não tem nenhuma capacidade, ou vontade, de pensar sobre o mundo, a camada superficial da sua trama é uma escolha trágica para contar a história do pai que busca a filha (fico pensando como seria o filme sem o tenebroso primeiro ato). Seu jeito de descrever a ação dos revolucionários é reforçar os seus maiores medos enquanto homem conservador, sem nenhum tipo de subversão (por isso as intervenções dos seus militantes são tão pouco criativas). 

“Uma Batalha Depois da Outra” estar sendo elogiado justamente pela camada da rede de guerrilheiros é a maior demonstração da dificuldade que é pensar o mundo a esquerda. Não é só PTA que não reflete sobre a realidade, é todo o seu público. Aplaudir a insensibilidade que ele tem com os imigrantes nos EUA, a maldade que faz com os guerrilheiros (todos covardes que entregam os companheiros ao primeiro sinal de conflito) e a falta de ideias que ele tem sobre o mundo é apenas o resultado da crise da imaginação. 

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Anavitória @ araújo vianna - 26/09/2025