Crítica | 21 Savage - i am > i was
O fantasma do trap paira tão forte em todos os rappers de hoje em dia que, mesmo quando eles tem tudo para afastá-lo, os efeitos do medo que ele traz ainda são facilmente perceptíveis. Ah 21 Savage…
O rapper de 26 anos e natural de Atlanta, surgiu para o mainstream com o hit “Bank Account” em 2017, o primeiro single de seu primeiro álbum de estúdio, “Issa Album”, que foi seguidos de uma razoável colaboração com Offset e Metro Boomin, “Without Warning”. Talvez ele tenha ficado mais conhecido no Brasil por sua feature no mega hit de Post Malone, “Rockstar”, mesmo que o público alvo dessa faixa não saiba diferenciá-lo de qualquer um dos Migos ou de outros contemporâneos.
E fazer parte de uma música tão apelativa e genérica como “Rockstar” faz jus às intenções de 21, mas não a seu talento. Em habilidade pura, ele é um dos melhores rappers a surgirem nos últimos anos e tem, discutivelmente, a voz mais característica e individual desde, digamos, Snoop Dogg? Infelizmente, 21 parece preso, não sei se por vontade própria ou de sua gravadora, às tendências que impedem qualquer álbum de trap de ser mais do que isso. Pois apesar de sua abordagem ser extremamente embasada no lirismo e na rima em si, a falta de profundidade e cuidado com a produção do álbum o transformam em um projeto inchado, repetitivo e musicalmente pálido, como de costume no gênero.
Praticamente todas as batidas são variações mínimas uma da outra, quase sempre no mesmo tempo e quase sem mudar a energia ou tom do projeto. Pequenos elementos flutuam aqui e ali com alguns funcionando mais que outros, um interessante riff de guitarra em “out for the night”, um pequeno shift eletrônico em “1.5”, uma flauta similar à de “Mask Off” em “can’t leave without it”. Mas nada disso faz com que qualquer uma dessas faixas tenha identidade e por mais que ouvir o álbum não seja uma tarefa árdua, são 15 faixas com pelo menos metade delas trazendo o exato mesmo assunto. É quase como uma meditação de quase uma hora, um confessionário de 21 onde ele tem um espaço em branco para rimar o quanto quiser, e isso poderia ser genial com um número de faixas.
Praticamente todas as histórias contadas aqui são autobiográficas e você sente o peso delas por conta da voz pesada e tom quase sussurrado de 21, você percebe que ele realmente viu de tudo e viveu de tudo, isso está impresso na energia que traz. Enquanto a sua nova vida, onde ele não tem mais de cometer crimes e oferece dicas de investimento para seus fãs para que possam sair dessa vida, ainda seja vista por ele com deslumbre, em momento algum ele deixa de lado as rotas que o levaram a ela e os sentimentos que o tornam tão humano. “I got rich nigga problems” ele fala em “padlock”, faixa que contextualiza o fato de seu coração ser frio como é de forma genial e continua o verso:
“Tryna put a 50 in my joggers (Won't fit nigga)
Knew you was a rat when we was toddlers (You a snitch, nigga)
You was always the cop, I was the robber (Lil' bitch nigga)
Born to be a leader, not follow (Follow)”
Nem sempre ele consegue fazer seu amor por jóias ser tão complexo e a falta de polidez na produção impede qualquer faixa baseada na ostentação de ser esteticamente atraente, sendo que sua voz não consegue passar qualquer alegria. “a&t” e “out for the night” são quase misóginas, e sua tentativa falha de cantar na, fora isso, ótima declaração de amor “ball w/o” mostra que sua relação com o sexo oposto é um tanto confusa ainda, afinal, uma criança que passou por tanto só poderia ter as dificuldades que tem para demonstrar afeto. Esta última, no entanto, contém uma bela composição de piano, e reforça o fato de que, caso melhor produzido, 21 poderia ter encontrado ouro já com este projeto. Outro bom exemplo é “good day”, que com uma produção mais relaxada, talvez voltada para os anos 90, soaria divertida e irônica como 21 aparentemente queria.
Com falta de cor na produção os maiores destaques ficam inteiramente nas costas de seu artista, que acaba sendo puxado para baixo por mais de um de seus convidados. Post Malone torna a relevante “all my friends” em uma tentativa errada de hit, Offset entrega um verso de Offset em “1.5”, até mesmo Childish Gambino não consegue fazer de “monster” um destaque. O único que até mesmo supera o verso de 21 é J Cole na ótima abertura, “a lot”, com um dos melhores versos de sua carreira, rimando em um flow alucinante. O melhor e mais poderoso momento de todo o álbum, e carreira até agora, fica na ode a sua mãe em “letter 2 my momma” que, no dia certo, pode te lembrar positivamente de “Dear Mama”, de Tupac. Em uma das melhores frases de todo o álbum, se não a melhor, ele mostra a todos nós como era sua vida quando criança e a linha tênue em que caminhava: “I’m the one that stole the cookies out the jar (Out the jar) / I'm the one that went and stole the neighbors car (Neighbor's car)”.