Crítica | Mulan (2020)
Ao se diferenciar da animação, “Mulan” se torna superficial.
"Muitas lendas foram contadas sobre a grande guerreira Mulan, essa é a minha". Assim inicia a nova versão da história da guerreira. O público é avisado que apesar de ser relacionado com a obra animada e clássica de 1998, o longa caminhará com as próprias pernas para nos apresentar uma nova perspectiva.
Ambos os filmes são inspirados na lenda chinesa “A balada de Mulan”, na versão em live-action vemos um filme mais maduro e sem alívios cômicos. Para quem acompanhou notícias do pré-lançamento sabe que muitos dos pontos principais do filme animado foram descartados pela Disney, que dessa vez tem uma proposta mais séria e busca consertar alguns erros de estereótipos com a cultura chinesa, seja para mudar o foco de suas produções ou para emplacar no mercado chinês.
Mudanças no tom narrativo e retirada de personagens não são um problema ao meu ver. Obras devem ser interpretadas como produtos únicos, desde que a essência esteja presente, porém, para que um roteiro seja sustentável é necessário um trabalho de desenvolvimento de personagens e de uma proposta clara. E isso infelizmente não ocorre aqui.
Nessa nova versão, Mulan (Liu Yifei) é a filha mais velha da família Fa e desde pequena apresenta uma personalidade forte e um chi (na mitologia chinesa se trata a força que permeia o espaço) incomum. Seu pai (Tzi Ma), decide incentivar a garota até certo ponto, porém isso acaba quando o destino de ser uma boa esposa e trazer honra para família entra em conflito. Certo dia, após a invasão do exército de Böri Khan, o Imperador (Jet Li), recruta um homem de cada família para guerra e é onde nossa protagonista decide fugir assumindo um disfarce masculino para lutar no lugar de seu pai debilitado pela guerra anterior.
É impossível falar de Mulan e não citar que a história se tornou um marco para representatividade e força feminina, principalmente para asiáticas brasileiras e americanas. Como um filme épico é esperado que a trajetória de Mulan apresente o arco da jornada do herói ou algo parecido, mas ao invés disso vemos uma protagonista que não se desenvolve durante a narrativa, pois desde o primeiro momento ela já possuía o necessário para salvar seu povo. Sinto que tornar a personagem numa espécie de super-heroína destrói um dos pontos chave da trama diminuindo os méritos de seus feitos com a justificativa mágica. Não é possível se identificar com Mulan, tão pouco se inspirar.
O treinamento é o mais próximo de um desenvolvimento e profundidade que ela apresentará na trajetória, pois nesse momento a importância da lealdade, coragem e verdade é apresentada. A partir daí vemos a tentativa de sustentar uma mentira em prol de ser corajosa. Mas isso não é suficiente. O recurso da lealdade, verdade e coragem é utilizado inúmeras vezes fazendo com que o impacto seja perdido.
Outros personagens que fazem parte da trama são menos desenvolvidos ainda, agem apenas para que o enredo siga, sem vontades genuínas e sem convencer. Qualquer um ali poderia agir de qualquer forma. A relação que Chen Honghui (Yoson An) e Mulan possuem é a mais convincente, mas ainda assim vazia. Desde os primeiros momentos Chen lança olhares para a protagonista e faz com que o objetivo dele seja se aproximar da menina, mesmo se sutilmente isso chega até sobrepor seu papel de líder.
Apesar do roteiro ser raso, o remake mais caro da Disney lançado diretamente para o streaming é indiscutivelmente belo, apresentando uma direção de arte e colorização incríveis. As transições de cenas que mostram a China são admiráveis e o trabalho de pós produção soube destacar as cores no cenário, principalmente o vermelho e amarelo. A menção honrosa no quesito beleza vai para o momento em que Mulan está sendo maquiada para encontrar a casamenteira. Essa cena é tecnicamente sensacional com figurinos, cenário e maquiagens que mereciam estar nas telas de cinema. Além disso, capta a essência da cultura chinesa, diferente da animação de 98 que na mesma sequência possui um tom mais cômico. Mesmo não sendo uma grande entusiasta de cenas de ação e luta, aqui elas funcionam muito bem homenageando os clássicos chineses.