Crítica | Michael Jackson - Bad

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Com "Bad", Michael Jackson experimentava talvez a maior expectativa da história da música e, incrivelmente, atingiria um novo auge na carreira, três anos após "Thriller" se tornar o álbum mais vendido de todos os tempos. Talvez aqui, Michael Jackson tenha realmente se tornado Michael Jackson.

Não, o sucesso absoluto e universal de "Thriller" não poderia ser alcançado. Até agora (2017), foram 33 milhões de cópias apenas nos Estados Unidos. Faça as contas dos álbuns dos seus artistas favoritos de hoje (somem as vendas de todos eles), poucos sequer chegam a esse número. Como o biógrafo Randy Taraborreli disse, "Em algum momento, Thriller deixou de ser um item de entretenimento - como uma revista, um brinquedo, ingressos para o cinema - e começou a vender como um utensílio doméstico".

Era de se esperar que a expectativa para "Bad" fosse, assim como seu idealizador, fora deste mundo. E tudo aumentou ainda mais quando colaborações com Prince na faixa título, além de Whitney Houston, Barbara Streissand e Aretha Franklin foram planejadas, mesmo não tendo acontecido. Enquanto seu terceiro trabalho com Quincy Jones não seria seu melhor, nem igualaria o sucesso do anterior, ele estabeleceria Michael Jackson ainda mais como o ícone que se tornou. Aqui a música não era o único aspecto; seu nariz estava menor, sua cor mais clara, suas polêmicas maiores. Michael Jackson, o artista, deu espaço para Michael Jackson, a maior e mais controversa estrela que o planeta Terra já viu. 

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E "Bad" não iria decepcionar. As estimativas de vendas falam em 35 milhões de cópias no mundo todo, além de ser o primeiro de apenas dois álbuns ("Teenage Dream", de Katy Perry, o outro) a terem cinco singles número 1 na Billboard Hot 100, e sua turnê foi a primeira vez que todos puderam ver Michael Jackson em um espetáculo inteiramente seu. Dois anos de um sucesso arrebatador, que estendeu seu alcance em todo o mundo, mas ainda assim muitos o consideravam uma decepção em relação à sua Magnum Opus. 

Mas e musicalmente, o que aconteceu? 

Uma das maiores virtudes do trabalho de MJ é a imortalidade. Desde "Off The Wall" ele e Quincy Jones conseguiram criar composições que não ficam velhas, mesmo hoje, décadas após seus lançamentos. E em "Bad", Michael dá a fórmula não para o R&B, como fez em boa parte de "Thriller", mas para a música pop que tomaria conta do cenário musical do século 21. Cada uma de suas onze músicas funcionam por conta própria (nove foram singles) e juntas criam uma coleção eclética que funciona de base para a maioria dos álbuns pop de hoje. Na produção, funk, dance, rock, soul se alternam quase sem se misturar, sempre a serviço das letras. Nelas, hinos contra a violência, baladas de amor, músicas gospel, outras sobre a violência no trânsito, outras sobre criminosos.

"Bad" não tem um conceito geral e sim o resultado do ecleticismo de seu artista, que escreveu 9 das 11 faixas sozinho.

Uma das melhores formas de entendermos seu jeito pouco ortodoxo de escrever é analisarmos a faixa título. "Bad" conta a história de um jovem do Harlem chamado Edmund Perry, morto por policiais em 1985, sem poder iniciar seus estudos em Stanford ao ter conseguido uma bolsa. Mas isso não fica claro caso você não assista o vídeo, dirigido maravilhosamente por Martin Scorcese. Nele, Michael sai do gueto e quando retorna é confrontado por seus ex-companheiros. Enquanto na música ele pergunta efetivamente "Who's Bad?", no vídeo ele termina com a afirmação, "se você não é mal, você não é nada". É uma ironia e um jogo com o significado da palavra, que só toma sentido quando se entende o que ele visualizou para a faixa.

Em outros momentos ele é mais simples. Uma das favoritas de sua carreira, "The Way You Make Me Feel", não é nada original, mas o groove da faixa e seus vocais recheados de uma euforia quase infantil ao gravá-los são irresistíveis. "I Just Can't Stop Loving You" era para ser um dueto com um nome bem mais importante, mas do jeito que é consegue ser efetiva o suficiente para você se pegar cantando ela no dia a dia. Uma baixa fica por "Just Good Friends", que é divertida e conta com Stevie Wonder, mas sem ter sido escrita por nenhum dos dois astros, a faixa falha em responder ao alto nível que se podia esperar. Já na excelente balada "Liberian Girl", ele homenageia Elizabeth Taylor, enquanto a produção o acompanha em uma viagem à um pequeno país na África. Não é preciso dizer que a música foi um sucesso entre o público feminino na Libéria. 

"Bad" também marca a primeira vez que Michael trouxe a filantropia para dentro de sua música, naquele que é até hoje um de seus maiores hinos. "Man In The Mirror" foi escrita por Siedah Garret - que canta em "I Just Can't Stop Loving You" -, mas o amor de MJ pela letra da canção é clara, sendo que aqui ele eleva o patamar da simples e reflexiva mensagem, na sua melhor performance vocal do disco. Raramente ele conseguiria combinar sua devoção com o planeta com qualidade musical, e ele ainda tentaria muitas vezes. "Another Part Of Me", que não chega a ser inteiramente descartável, é um exemplo. 

O álbum também é dotado de estranhezas similares às de "Thriller", a música, não o álbum. Na funk "Smooth Criminal" ele conta a história do filme "Moonwalker", e mesmo que não saibamos exatamente quem é Annie, todos repetimos o refrão como se fosse algo genial, e talvez seja. "Speed Demon" é inspirada em uma vez que Michael tomou uma multa e, por qualquer motivo, ele achou uma boa ideia colocá-la na listagem final. "Dirty Diana" é uma música de hard-rock, que conta a história de uma groupie que supostamente se envolveu com ele. É uma de suas músicas mais polêmicas e, indiscutivelmente, influentes, se provando fundamental no crescimento artístico de um certo rapaz, The Weeknd, já ouviram falar? Seu cover da canção é um caso raro de um quase tão bom quanto o original.

Aqui Michael teve total liberdade de escrever o que quisesse, ele era grande demais para falhar, mas se em algum momento sua genialidade se aproxima de singles passados como "Don't Stop Till You Get Enough", "Billie Jean" e "Beat It", é na genial e sub apreciada "Leave Me Alone". Aqui ele pede por paz, algo que cada vez menos faria parte de sua vida, enquanto seu evocativo vídeo ironiza todas as polêmicas em volta dele. Assim como todos os vídeos de "Bad", um mais excepcional e imersivo que o outro, aqui ele explora os conceitos da canção, enquanto brinca em um parque de diversão construído em volta dele próprio. A música fecha o álbum, talvez de propósito, como um anúncio do que viria a seguir. 

"Bad" constantemente fica na sombra de "Off The Wall" e "Thriller", amplamente considerados dois dos 100 melhores álbuns já concebidos e isso é bastante comum. Existem falhas aqui, mas até mesmo elas são aproveitáveis. Este é o primeiro disco que reflete sua personalidade complicada, seus gostos inusitados e sua forma mais do que peculiar de ver o mundo, um álbum que funciona pela individualidade de cada ideia e durante toda a sua duração oferece o mais alto escalão da música pop.

Não se enganem pelas polêmicas, "Bad" é um clássico.

9.2

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