Crítica | Amor à Flor da Pele

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Dentre todos os gêneros, talvez aquele que mais possa se safar de deixar a técnica de lado é o romance.

Justamente por ter em seu centro algo que a grande maioria dos seres humanos já experienciou (o amor), acompanhar a história de personagens que se conhecem e se apaixonam é quase sempre algo envolvente e relacionável. Nesse sentido, roteiro e interpretações são os pilares destes filmes, e os diretores e diretoras que entendem isso e deixam seus personagens apenas ser acabam atingindo os melhores resultados. Porém são aqueles que inovam em um gênero tão difícil de se inovar que conseguem criar obras memoráveis, para sempre nos corações daqueles que as assistem.

“Amor à Flor da Pele” é um filme do renomado cineasta de Hong Kong, Wong Kar-Wai, onde um homem e uma mulher descobrem que seus respectivos marido e esposa estão tendo um caso e logo começam a desenvolver sentimentos um pelo outro. Indo de contramão às principais convenções do gênero, Wong consegue fazer com que seus personagens sejam e consegue imprimir o estilo que torna esta uma produção única. Mas sinto que há algo faltando.

Filmado de forma irrepreensível do início ao fim, não lembro de ter assistido a outro filme que comunique tanto sobre seus personagens com o cenário como este. É como se a todo momento a bela Su Li-zhen (Maggie Cheung) e o cansado Chow Mo-wan (Tony Leung) estivessem presos, seja nos corredores estreitos do apartamento que “dividem”, seja por incontáveis grades que os aprisionam mesmo sob a luz solitária da lua. Efeito este que é comum e pode ser observado em diversos filmes com a mesma finalidade, mas aqui nos impedem de respirar, como se tudo que víssemos fosse o quão miserável é a vida do casal no momento em que se encontram.

Contrapondo essa claustrofobia com uma paleta de cores quentes, quase sempre puxando para o vermelho (como o pôster sugere), a simples ideia de que podem finalmente se engajar no relacionamento - que esperamos acontecer após cinco minutos de projeção - um com o outro é o suficiente para que a história se torne triste ao mesmo tempo que passe um senso de descoberta. Esta que vem de forma paciente, exemplificada na exemplar edição que nos faz sentir o passar de uma boa quantidade de tempo pelos vestidos que Su Li-Zhen veste. Inclusive, descobrir se ela se veste para o marido, para o “amante”, ou simplesmente para si mesma é um exercício chave para entendermos a personagem. Para completar, a música tema é ao mesmo tempo sensual (graças aos violinos) e depressiva (graças ao cello), constantemente sendo trazida em tomadas em câmera lenta que podem refletir tanto a tensão sexual crescente como a demora agoniante para qualquer coisa acontecer.

E é impressionante que mesmo com uma linguagem rebuscada e recheada, ambos os personagens ainda possuam arcos bem resolvidos que, quando isolados, se sobressaem à maestria técnica. Se Chow é um homem completamente frustrado com a própria vida e que decide vivê-la da forma que acha que vai encontrar felicidade, Su reluta em aceitar o fim de seu casamento - como marcado por uma comovente cena onde chora ao ver que a vida que tanto quer acreditar não existe mais - o que, inevitavelmente, resulta em um desencontro que influenciaria “Encontros e Desencontros” nos anos seguintes. Ele investiu e esperou, ela, talvez por medo, demorou a perceber que era a coisa certa a se fazer.

Talvez este seja meu principal problema com a produção, pois em um filme que machuca tanto seus personagens principais esperar pela tal resolução que os faria, em fim, felizes, é apenas lógico. Mas, talvez, por conta de todos estes anos de dor e repressão, a felicidade nunca fosse uma possibilidade. Talvez, o próprio relacionamento de ambos seja apenas uma resposta inconsciente à situação que dividiram. Talvez devessem se encontrar sozinhos. Talvez o amor não seja, afinal de contas, a resposta.

Se isso é o que esperamos de uma história como esta, já é outra coisa.

8.3

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