Crítica | Quase Famosos

critica - quase famosos

Volta e meia jovens adolescentes se mostram as pessoas mais inteligentes em determinadas situações, mesmo quando rodeados por adultos. Pois apesar de estes últimos terem experiência para encarar coisas como o amor, a amizade, a carreira e a própria vida em si, acabam tomando decisões baseado no que já viveram, julgando que seu conhecimento é o suficiente para evitar a dor ou o constrangimento de, por exemplo, terminar com uma namorada, brigar com os amigos, magoar os pais. Porém, não há nenhum momento na vida que seja exatamente igual, o que torna a impulsividade movida a sentimentos que apenas a juventude proporciona um dos melhores jeitos de se lidar com tais situações.

Por isso que é William Miller, de 15 anos, quem parece ter a visão mais madura e sensata quando enfrenta adversidades neste filme, pois baseia seus pensamentos - e, quando o fato de ser o mais jovem de todos não o assusta, as atitudes - no que acredita ser certo e no que lhe fora ensinado por sua mãe, superprotetora, é verdade, mas empenhada em fazer dos filhos pessoas boas e bem sucedidas. Talvez no fundo ela saiba que eles não seguirão o caminho qual impôs desde que eram crianças, mas o modo como jamais guarda magoa nem deles, nem de outro personagem em especial, prova que ela é, simplesmente, uma mãe.

“Quase Famosos” completa 20 anos no dia oito de setembro e por mais que se passe em 1973 e que astros do rock hoje sejam dinossauros, é como se sua energia vital jamais pudesse mudar. Semi biográfico, o longa escrito e dirigido por Cameron Crowe nos apresenta ao tal William Miller, um jovem de 15 anos que consegue um bico na Rolling Stone, onde tem que acompanhar uma banda de Rock durante sua turnê para escrever um artigo que pode se tornar a capa da revista.

Como crítico, não preciso dizer que me identifico consideravelmente com Miller, vivido por um adorável Michael Angarano quando criança e por um devido panaca em Patrick Fugit quando adolescente. Apresentado quando muito novo à arte e apreciador profundo desta, mesmo que jamais interessado ou talentoso (pelo menos no que o filme mostra) para produzi-la, Miller é um tipo que nasce mais frequentemente do que o próprio artista, mas que raramente é encorajado e com o tempo vem perdendo seu prestígio que um dia fez dele a pessoa mais importante em um ambiente artístico. Na época da internet todos têm espaço para expor suas opiniões (e isso é ótimo), o que, infelizmente, faz com que alguns se julguem tão capazes de analisar uma obra como uma pessoa que claramente dedica mais da sua vida aquela devida arte. Pois Miller é, acima e antes de tudo, um apaixonado pela música, a qual ele tem prazer em cantar junto, mas jamais seria completo sem poder dissecá-la, debatê-la, expressá-la por meio de suas palavras.

Para qualquer crítico, viver em um mundo onde o achismo é colocado no mesmo pedestal da paixão e da dedicação é algo frustrante, e isso pode ser comprovado pelos momentos onde a banda fictícia, Stillwater, teme a influência que o jovem pode ter em seu sucesso. Ao menos naquela época, um artigo bem escrito podia lhe catapultar para a fama ou lhe afundar no ostracismo e apesar de ser rotulado como “o inimigo”, o simples fato de estar envolvido com a arte que ama é algo gratificante para qualquer crítico. Inclusive, um dos principais acertos de Cameron Crowe, que contribuiu para a Rolling Stone quando adolescente, é jamais tentar inverter os valores de artista e crítico, vocalizando isso no personagem de Lester Bangs (um dos mais importantes críticos da história do Rock&Roll), que Philip Seymour Hoffman interpreta com seu virtuosismo singular. Nós não somos cool, ele fala a Miller, mas somos inteligentes, complementa, como que conformado em saber que tal dádiva, por mais nobre que seja, vem com o sofrimento de entender - ou ao menos procurar entender - seu lugar em meio a tudo.

Mas ainda assim, e por mais que este tema seja fascinante para mim, o motivo de ter gostado tanto deste filme não está apenas nos debates acerca da arte que traz, mas do sutil estudo de personagem fantasiado de road movie, mascarado de besteirol e com um tratamento de sessão família. Miller é, naquele ambiente, um forasteiro, em meio a pessoas que buscam a fama a qualquer custo e estão dispostos a suprimir as próprias identidades para isso. A Penny Lane de Kate Hudson é o elemento central deste tema, sendo que o nome que apresenta (nunca descobrimos o verdadeiro) vem da conhecida música dos Beatles e todas as suas ações para ser aceita escondem uma criatura insegura e muito mais complexa do que aparenta. Determinada a provocar emoções positivas em todos a sua volta, em uma cena ela proíbe as lágrimas com um sorriso que, naquele ponto, já soava como um claro mecanismo de defesa.

Sua relação com Russel - interpretado por Billy Crudup com um misto de charme, afeto e a mesma necessidade de se afirmar - é curiosa, pois, apesar de claramente dividirem um sentimento real e intenso, se perdem tanto nos personagens que criaram para si que jamais se permitem conhecer um ao outro de verdade. Ela tenta convencer a si mesma que o que faz é algo louvável, ele tenta convencer a si mesmo de que é o escolhido para agraciar o mundo com sua arte.

Povoado por uma variedade de personagens multi-dimensionais e carismáticos por motivos diferentes, boa parte do elenco sucede em não interpretar, mas viver as caricaturas que esperamos de tipos mais do que conhecidos. Frances McDormand é a legítima mãe general, mas como em seus melhores trabalhos, há sempre mais por debaixo da superfície. A própria banda, liderada pelo Jeff Bebe de Jason Lee, soa quase como uma paródia, mas é impressionante como Crowe acha espaço para adicionar mais a cada um deles - a cena do avião, que poderia soar barata, toma contornos de merecimento graças a todo o processo de entendermos quem são aquelas pessoas. A única baixa, no entanto, está no agente de Jimmy Fallon, que jamais consegue deixar seu lado SNL de lado e caso tivesse mais tempo em tela poderia ter prejudicado consideravelmente o andar da carruagem.

Apresentando a época em que se baseia com um olhar claramente irônico e quase debochado, somos convidados a perceber e questionar o quão leviana é a busca pela fama, mas jamais a criticar os conflitos internos que fazem aquelas pessoas a quererem tanto. Ao final, é como se aprendêssemos a gostar um pouco de cada um daqueles personagens, talvez por estarmos centralizados na própria visão de Miller - reparem como em praticamente todos os momentos de tensão a edição (impecável, diga-se) corta de volta para seu rosto observador, como que sugerindo o que a banda tanto teme.

Apesar de dedicar a maior parte deste texto ao componente humano que torna este filme tão especial, é interessante notar como algumas escolhas beneficiam a experiência: em uma cena, Crowe isola McDormand em meio a sua casa, como que ressaltando a solidão de ver os dois filhos baterem as asas; em outra, brinca com a perda da virgindade de Miller de forma ao mesmo tempo (sexualmente) fantasiosa e lúdica; em tantas outras, traz dois personagens conversando e caminhando em direção a câmera, como que sempre avançando perante as próprias personalidades. E é claro, a fotografia acalorada ressalta o fato de que, por mais intensa que seja aquela situação para um adolescente, aquela é uma experiência única que ele valoriza enormemente e da qual sai como uma bagagem cheia não apenas de souvenirs, mas de ensinamentos que um jovem de sua idade normalmente não tem.

“Quase Famosos” é um documento fascinante de uma época singular na cultura musical: o início do fim do Rock&Roll. O que, por si só, conversa com a jornada que a maioria de seus personagens se encontra: após as cortinas baixarem, o que sobra? A belíssima cena onde todos cantam no ônibus à “Tiny Dancer”, de Elton John, mostra que não importa o quão incerto o mundo da arte possa parecer, afinal, ela vale a pena.

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