Crítica | Tick, Tick... BOOM!

ESTREIA LIN-MANUEL MIRANDA COMO DIRETOR DE CINEMA FUNCIONA COMO HOMENAGEM A LARSON E A BROADWAY, MAS PARA POR AÍ.

Com os mesmos temas de “Rent”, a adaptação da peça autobiográfica de Jonathan Larson é menos extravagante mas possui problemas parecidos.

Jonathan Larson é um dos dramaturgos de mais reconhecimento dos anos 1990 na Broadway, a única peça que produziu em vida “Rent!” foi um marco quando lançada ao dialogar com a visão de juventude das pessoas nascidas nos anos 1960 e 1970, o trágico falecimento do autor horas antes da primeira apresentação oficial da peça contribui com a mística que a levou a ser uma das mais bem sucedidas de todos tempos, com público e crítica. “Tick, Tick… BOOM!” é o trabalho anterior de Larson, um monólogo autobiográfico refletindo a frustração dele após uma carreira infrutífera aos 30 anos e relatando sua vida no palco, todas temáticas que o inspiraram para escrever seu maior sucesso já estão presentes aqui e os mesmos problemas da irmã mais rica também. Originalmente escrito para ser representado com apenas 3 atores em cena, o diretor Lin-Manuel Miranda optou por filmar as diversas cenas que no texto seriam apenas narradas pelos atores, mas alternando com momentos de encenação como Larson pretendia originalmente, importante apontar que como a peça foi montada apenas a morte do autor, não temos como saber como seria a sua visão para a obra, mas Miranda nitidamente dirigiu como uma homenagem ao seu colega. Aliás, é importante entender que “Tick, Tick… BOOM!” é muitas vezes mais uma homenagem à cultura da Broadway e a Jonathan Larson que uma história. Mantendo todas músicas originais do teatro, Andrew Garfield interpreta Jonathan Larson enquanto esse nos mostra como é a sua vida nas semans que precedem seu aniversário de 30 anos.

Ambientado em Manhattan nos anos 1990, as cenas alternam entre o workshop (leitura feita das peças para produtores e pessoas da indústria decidirem se vão financiar/produzir o material apresentado) da peça “SUPERBIA” uma ópera-rock futurista escrita por Larson e interpretada por ele e seus atores, ao contrário da ideia original, os atores que leem “SUPERBIA” não são os mesmos que interpretam a namorada Susan (Alexandra Ship) e o melhor amigo do protagonista, Michael (Robin de Jesús), os dois aparecem nos flashbacks que mostram a escrita, a montagem e os ensaios para o workshop. O filme conta também com narração em off de Larson que nos conta sobre a sua vida como garçom numa cafeteria e dramaturgo prodígio, sua complicada relação com Susan e Michael sempre justificada por ele mas fruto de se importar mais com seu trabalho que seus amigos. Outro aspecto importante da vida do personagem é a ajuda de Ira Weitzman (John Marc Sherman), diretor da companhia que ajuda Jon a financiar a produção e de Stephen Sondheim (Bradley Whitford) mentor do protagonista. Os números musicais se misturam entre aqueles que ocorrem dentro da história, como as composições apresentadas por Larson ou aqueles que ocorrem no filme expressando momentos emocionais dos personagens, todas músicas são composições originais de Larson, mas nem todas estão em “Tick, Tick… BOOM!”, pois a equipe musical da produção, capitaneada por Alex Lacamoire (“Hamilton”) buscou outras canções dele para “SUPERBIA” para dar profundidade temática ao filme.

Comparar esse filme com “Rent!” se torna inevitável ao passo que as duas obras de Larson possuem profundas conexões temática e por mais que nenhuma delas seja assumidamente autobiográfica, as duas nitidamente são. Ao escrever o protagonista Mark para sua obra mais importante, Larson escreveu um documentarista judeu sem muito sucesso morando em Nova Iorque nos anos 1990 lidando com os problemas da época como o HIV, a gentrificação aumentando aluguéis e a frustração frente a sua incapacidade de fazer sucesso mesmo sendo um autodeclarado gênio da arte. Essa é exatamente a mesma descrição do protagonista de “Tick, Tick… BOOM!” e certamente é a expressão que Larson tinha de si mesmo pelo que consta dos registros feitos em vida por ele. Como falei “Rent!” é um marco para uma geração da classe média que viveu sua juventude após a Guerra do Vietnã, num período de baixa da Guerra Fria e reflete uma visão despolitizada do mundo, glamourizando a pobreza ao se apoiar no status de ser um artista pobre e em “Tick, Tick… BOOM!” essa ideia de mundo é demonstrada no conflito entre Jon e Michael, seu amigo que desiste da carreira de ator para trabalhar com publicidade, atitude condenada pelo protagonista. Essa ideia despolitizada que fazer arte apenas por fazer arte, sem nenhum tipo de recorte ou motivação política por si só é revolucionário é o tipo de discurso encontrado no trabalho de Larson e repetitido tanto por Jon quanto por Mark diversas vezes e a maneira como o texto o coloca como um herói por fazer o mínimo possível é contraditória com a ideia de gênio revolucionário que o personagem tem de si mesmo.

Agora, por outro lado, o filme me toca bastante como uma homenagem à Broadway, especialmente a Sondheim (que morreu poucos dias antes de eu estar escrevendo isso), assinado por dois dos principais nomes da indústria nos últimos anos, Miranda (“In the Heights”, “Hamilton”) e Steven Levenson (“Dear Evan Hansen”), também conta com dezenas de cameos de estrelas e autores importantes do teatro como Stephen Schwartz, Chita Rivera e André De Shields. A cena com a maior parte das aparições “Sunday” é uma das melhores do filme, uma homenagem a obra de Sondheim divertida e bem menos pretensiosa queo resto do filme, momento de pura diversão. O maior defeito de “Tick, Tick… BOOM!” é justamente a falta de diversão que o filme se permite ter, algumas cenas musicais têm energia, mas todo conflito interno de Jon é arrastado, porque os problemas dele não são exatamente profundos e os mais complexos temas são abordados de maneira superficial tornando toda história difícil de se conectar. Garfield interpreta Larson de maneira verborrágica, egocêntrica e um pouco carismática, o problema é que o personagem é o oposto de um protagonista conectável nem como herói nem anti-herói, é apenas um jovem-nem-tão-jovem-assim que passa mais tempo nos contando como ele é incrível do que realmente mostrando e apesar de fazer sentido, a decisão de não centralizar todos personagens em três atores como na peça (seria complexo num filme, eu sei) dificulta a relação com todo mundo que habita o mundo do filme, com excessão de Michael.

Confesso que sou incapaz de expressar opiniões muito fortes sobre esse filme, acho ele sem graça, como “Rent!”, longe de um desastre total, mas a realidade é que eu seria o espectador ideal para essa história e o fato de não ter me conectado com ela acredito que fala mais sobre o filme do que sobre mim. A sensação é que era um sonho de Miranda lidar com a obra de Larson, o autor certamente foi uma influência grande na sua carreira e tenho certeza que para ele a escolha de uma cine-biografia foi ideal para um ídolo, acredito inclusive que o diretor e o roteirista tenham transformado o conceito original da peça em algo muito mais otimista ao fazer uma referência à Broadway como um todo. E, se Jonathan Larson escreveu “Tick, Tick… BOOM!” no ponto mais baixo de sua carreira (logo antes de “Rent!”), Levenson e Miranda produzem esse filme vivendo o auge de seu sucesso como dramaturgos, o que certamente coloca em cheque a ideia de criticar a Broadway do texto original e subverte para algo muito mais como uma pessoa mais experiente conversando com um iniciante. Com tudo isso, Jonathan Larson é um autor que não me agrada nem um pouco e esse filme é mais uma extensão disso, aqui especialmente pela maneira como ele se retrata no próprio texto.

“Tick, Tick… BOOM!” é o melhor filme que poderia ser quando se mistura o texto original com a intenção da equipe criativa por trás dele, e isso não é muita coisa.


4,5

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