Crítica | Carrie (1976)
O MONSTRO DE DE PALMA
Primeira adaptação de Stephen King para o cinema dá um novo rumo para o gênero de terror
Quase 50 anos nos dividem de “Carrie”, mas dá para falar com bastante segurança que ele nunca deixou de ser presente no cinema desde o seu lançamento. Desde motivos banais como os arquétipos muito bem elaborados no filme e repetidos à exaustão ao longo dessas décadas até toda a glória da câmera pouco sutil de De Palma invocando imagens religiosas para falar do controle do comportamento das mulheres. Além disso, abriu portas para as adaptações da obra do Rei do Horror para o cinema que geraram grandes filmes entre os anos 70 e os anos 90 de diretores como Kubrick, Cronenberg e o próprio John Carpenter.
Carrie começa o filme como uma jovem isolada das colegas de escola, como a câmera nos conta tanto ao mostrar a personagem isolada no campo de vôlei quanto no vestiário em que as colegas se vestem e ela se isola no canto do chuveiro. Mas Carrie, como consequência do famoso plano maligno de uma colega, sai da marginalidade da vida escolar para o centro e isso criará uma contradição com os valores morais da sua casa para criar consequências sobrenaturais. De Palma é um cúmplice bastante participativo na destruição subjetiva de sua protagonista, desde sua aproximação predatória ao seu banho nas cenas iniciais, passando por todo abuso doméstico e as dificuldades na escola.
De Palma é um controlador, assim como o diretor a quem faz homenagens recorrentes ao longo da sua obra, o diretor jamais abre mão da coisa filmada nos seus filmes, por nada. Por isso é tão impactante a cena de abertura no chuveiro de “Carrie” quando em um plano detalhe o sangue da protagonista escorre pelas suas pernas toda a intrusa violência do De Palma (e do Hitchcock) com as suas personagens é denunciada. É ele quem desvirtua sua personagem e quem a faz sofrer a partir da relação entre o ser filmada e ser desejada, ou até ser sujeito e objeto de “Carrie”.
Carrie, por sua vez, dá o troco para De Palma ao tomar conta do seu filme no grande clímax, depois de sua grande humilhação ela não só mata todos seus colegas, ela acaba com a câmera voyeurística que sente prazer no seu sofrimento e nos mostra como ela vê o mundo através do famoso efeito caleidoscópico da sua perspectiva distorcida. “Carrie” é uma confissão da visão de mundo que torna o cinema de De Palma tão brilhante, antes de quase todas suas obras mais célebres, o diretor já entendia a violência que sua câmera abordava os personagens na sua frente e as consequências disso para suas histórias. Quando a mãe de Carrie (que também forçava uma narrativa violenta sobre sua filha, através da bíblia não de uma câmera) é morta como Jesus no crucifixo, De Palma se absolve também da violência que empregará ao longo da carreira deixando a mãe de Carrie pagando por seu pecado.