Crítica | O Caso Richard Jewell

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Qual foi o último bom filme de Clint Eastwood? Invictus? Gran Torino? Provavelmente um desses dois, cada ano que passa, ele que aos 89 anos tem 92 filmes creditados na carreira como ator, diretor e/ou produtor torna uma missão mais complexa assistir aos seus trabalhos. Pouco preocupado com alguma qualidade narrativa ou recursos estéticos instigantes, em “O Caso de Richard Jewell” Clint se dobra mais uma vez sobre clichês, frases prontas e estereótipos para comprovar alguma tese pessoal (ok, boomer). Baseado no artigo “Pesadelo americano, a balada de Richard Jewell” publicado na Vanity Fair em 1996, o filme em momento algum se esforça para desenvolver a construção de qualquer um dos seus personagens, talvez por medo de que o público tire suas próprias conclusões sobre o caso e elas sejam diferentes da visão do diretor. Richard Jewell (Paul Walter Hauser), não é bem uma pessoa, é mais um estereótipo que não na maioria do tempo um personagem de cinema, se trata de um homem de meia idade com sérios distúrbios autoritários que fracassou como policial, trabalha como segurança e mora com a mãe (Kathy Bates). Em poucos dias vai de herói a suspeito de um atentado a bomba nos jogos olímpicos de Atlanta em 1996.

Após avisar as autoridades ter achado uma mochila suspeita em uma festa do evento e ser responsável por salvar a vida de várias pessoas, o perfil de um justiceiro solitário, sem nada a perder, com histórico de agressão e violência e gun nut chama a atenção do FBI que o coloca no centro das investigações. Com imprensa e polícia em cima dele, o protagonista recorre a um advogado com quem trabalhou muitos anos antes, quando era zelador de um escritório. O advogado, interpretado por Sam Rockwell é lesadamente apresentado em um prólogo com baixíssima função narrativa, uma vez que faz pouca diferença mostrar que os dois personagens já se conheciam dado o tempo que passa entre o prólogo e o resto da história. Nenhum dos personagens possui qualquer dubiedade ou contradição, seja o protagonista, que Clint se esforça profundamente todo o tempo para nos convencer de que se trata de uma boa pessoa, seja Kathy Scruggs (Olivia Wilde) que representa a mídia sensacionalista que persegue Jewell ou ainda Tom Shaw (Jon Hamm) agente do FBI encarregado da investigação que faz coisas bastante procedimentais e por algum motivo sempre é filmado como se fosse um grande vilão. 

Incomoda como Clint Eastwood abriu mão do roteiro, tendo falas e cenas inteiras extraídas diretamente do artigo escrito pela VF sem nenhuma alteração e incomoda especialmente o senso depravado de injustiça que ele apresenta. Mesmo que Richard Jewell seja inocente, ele foi investigado por possuir o mesmo perfil que autores de muitos atentados que ocorreram no mundo nos últimos anos, ele não foi preso, não foi torturado, não ficou anos em uma cela aguardando julgamento, apenas foi investigado. Fica difícil imaginar que o diretor teria a mesma gana de fazer esse filme caso se tratasse de um acusado não branco, como certamente já se tratou diversas vezes, e ainda, ele usa elementos que simplesmente não existem para tentar provar seu argumento, como se existisse um complô contra pessoas que possuem armas no estados unidos. Claro que essas são propostas narrativas do diretor, mas o filme é tão mal escrito que mesmo após duas horas tentando advogar pela bondade de Jewell, é difícil sentir empatia por um estereótipo ambulante e com pouquíssimo poder de fala. Preguiçoso, pouco criativo e ineficiente, infelizmente é essa imagem que passa o último filme de um diretor que trouxe alguns dos melhores filmes em décadas passadas, e parece cada vez mais que seus dias de cinema estão chegando ao fim.

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