Crítica | Ficção americana

Falsa autocrítica e má ficção.

Tentativa de sátira é superficial e drama é insignificante.

Por culpa da televisão e das séries terem tomado um papel tão importante na indústria cultural o cinema foi ocupado por piadas de sitcom e enredos sem vida escritos para pessoas maratonarem em streaming. É desse mal que sofre “Ficção americana”. Um roteiro esquemático que se importa só em fingir ser mais esperto que o espectador e contar piadas rápidas que pedem laughing tracks. Pior ainda é a maneira como é filmado, lembra um original netflix ou uma comédia romântica das piores, shots de drone de paisagem para transição de cenas, enquadramento em plano médio para diálogos, não há em nenhuma vontade de colocar em tela algo inspirado, só filmar um monte de diálogos, poderia ser um podcast.

Monk (Jeffrey Wright) é um escritor e acadêmico negro que após se irritar com a performatividade de indignação liberal é afastado do cargo na universidade e forçado a voltar para cidade da sua família e encarar os problemas do seu passado. Ao chegar, sua irmã morre, sua mãe está com estágios iniciais de demência, seu irmão quebrado depois de um divórcio e Monk, num momento de frustração e raiva, resolve escrever um livro-manifesto, uma ficção que repete os estereótipos raciais de maneira exagerada e satírica para criticar os livros que fazem sucesso. Claro que ao realizar os mesmos procedimentos performáticos de raça que tanto o incomodavam ele passa a fazer sucesso porque ninguém entende sua ironia.

O conceito é engraçado até, serviria como um episódio de friends, ou atlanta, e a acidez com que retrata os executivos do mercado editorial e cinematográfico até poderiam fazer sentido. O que incomoda é que tudo que vira piada em “Ficção americana” se torna um problema do próprio filme, até o ponto de ter um piada sobre oscar baits num oscar bait. E essa auto paródia, o tal do rir de se mesmo, é um dos piores vícios que o cinema está copiando da televisão americana, não existe nenhum compromisso com o que se quer dizer. A ideia de criticar a performatividade e a maneira como a indústria suga temas importantes da sociedade para fazer dinheiro vendendo estereótipos e debates vazios parece razoável, o problema é que “Ficção americana” é só um monte de estereótipos num debate vazio feito para ganhar prêmios.

Uma piada ou outra até funciona (notoriamente quando Monk muda o título do livro para F*ck), o Keith David aparece poucos minutos e é a melhor coisa do filme, mas é só isso mesmo. A falta de comprometimento do roteiro com o que está querendo dizer e da direção com o que deixa de filmar, com a estruturação narrativa cinematográfica, a edição parece feita num template e a decupagem por Inteligência artificial. No final não sobra nada, porque nem com um final para a história o roteiro se compromete, é mais uma dessas bombas que vemos por causa do Oscar e esquecemos imediatamente. Mais um produto sem vida e sem graça de Hollywood e pior, um que sabe que é um produto mas não tem vontade ou capacidade de fazer nada em relação a isso.

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