Crítica | Mac Demarco - Guitar
Fazia tempo que eu não me permitia parar.
Sabem essa história de supressão de um sentido pra aguçar outro? Alguém se lembra disso ainda? Ouvir música de olhos fechados?
É meio contraditório alguém que escreve sobre música falar que não se permite “parar” pra escutar algo, mas pelo menos a minha experiência auditiva inicial com um álbum sempre foi permeada e atravessada por momentos mundanos e pela junção de sentidos (seja caminhando, seja pedalando, seja dirigindo).
E se você busca música nova semanalmente como qualquer interessado pelo assunto, entende que é cada vez mais difícil encontrar um ambiente seguro, de descanso e plenitude. Sinto que ouvir música vem se tornando algo extremamente desafiador pras pessoas, o que gera uma espécie de embate entre artista e público.
Manter alguém estimulado o suficiente para reter sua atenção num curto espaço de tempo gera uma necessidade já comentada nesse site de fazer arte com um peso gigantesco nas costas, e, posteriormente, um estresse pra se manter relevante.
31 minutos de disco. Basicamente o tempo que levo pra passear com o meu cachorro e um pouco a menos do que o álbum que antecedeu este, o One Wayne G, com 199 músicas. Eis que 10 segundos de Shining foram o suficiente pra evocar os momentos líricos e vocais mais vulneráveis de Elliot Smith, me lembrar da linda melodia de When We Are Together do The 1975 e me suplicar por um pouco de atenção. Nada demais, apenas se eu pudesse lhe dar mesmo.
Mas tinha algo ali, naquele rápido espaço de tempo, que me fez recobrar minha consciência. Me tirou do piloto automático.
Guitar é de uma simplicidade brutal. De uma palpabilidade musical que se encontraria apenas em uma pequena Jam caseira e despreocupada. São 3 ou 4 instrumentos por música, acompanhados de letras com a pessoalidade de um diário que você esconde de todos os amigos, menos do seu cachorro.
Grayson Haver Currin foi muito pontual quando versou em seu texto sobre o artista: Se você vivesse em uma cena de qualquer tamanho, você conhecia um Mac DeMarco, talvez até fosse um.
Um cara qualquer, com um par de Vans extremamente gasto nos pés, sonhos tão mundanos quanto decidir escovar os dentes antes ou depois de tomar café da manhã e um senso de autorepreensão demasiadamente forte e romântico. Acima de tudo, uma necessidade inconsciente de ser alcançável.
Quanto mais distante do protótipo de estrela musical concebido pela mídia normal, assim como do estereótipo que lhe foi determinado pelos seus próprios fãs, mais perto ele se encontra de onde parece querer estar (These days, I'd much rather be on my own, No more walking those streets, that I once called my home - Home). Quanto mais ele aceita que seus fantasmas só vão o seguir se ele quiser, menos combativo fica (Your phantom sits with me, When I'm all alone, I love you still - Phantom), e com olhos mais otimistas passa a enxergar seu próprio processo, seja lá qual for.
Essa é a questão com Mac DeMarco. Seja através da linda composição harmônica de Nightmare - uma carta de agradecimento a sua esposa - ou do folk contemplativo Knockin, ele não pede palco, apenas por espaço. Quem quiser entrar é muito bem vindo.
Fazia tempo que eu não parava. Não como fuga, mas como escolha. Perceber onde estou, com quem vou, e quem sou. Guitar, em sua simplicidade extrema, do seu título às suas composições, com os vocais por vezes sonolentos e suas melodias propositalmente repetitivas, me lembra da minha humanidade. Me lembra do meu medo de mudar e ao mesmo tempo da minha insegurança em permanecer. E que sempre vai existir um passado cheio de culpa e um futuro que implica em ainda mais erros (Rooster).
Tudo isso é normal. Não há necessidade de correr deles.