Crítica | Dunkirk
Christopher Nolan. De um lado, há os que pensam que ele é um gênio do cinema contemporâneo; de outro, quem o veja como um prepotente ego inflado que supervaloriza o próprio trabalho. Eu, sinceramente, penso que ele tem pontos fortes e fracos, e que seus filmes acabam tendo resultados melhores ou piores a partir do quanto "puxam" as fraquezas e as forças do diretor.
"Dunkirk" é o primeiro filme escrito e dirigido por Nolan que é baseado numa história real. O longa retrata a Operação Dínamo, que evacuou mais de 300 mil soldados dos Aliados que estavam encurralados pelo exército alemão na praia de Dunquerque, em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial. A história é contada em três tempos diferentes: uma semana na praia de Dunquerque, um dia em um dos barcos civis que vão ajudar a evacuar os soldados e uma hora dentro de um dos aviões da força aérea que também se encaminha à praia para socorrer os aliados.
Se tem uma coisa que Nolan sabe fazer é trabalhar diferentes linearidades temporais em seus filmes. Aqui, em uma cena ou outra o espectador pode se perder um pouco, mas não é nada que chegue a incomodar. No geral, o filme faz esse controle com primor, auxiliado por uma técnica impecável.
Talvez, Dunkirk seja, tecnicamente, o melhor filme da carreira de Christopher Nolan.
Se você puder, assista em IMAX ou 70mm. Você não vai se arrepender.
Montagem, edição, cinematografia impecáveis. Impecáveis. Em algumas cenas há uma disparidade de saturação de cor que destoa um pouco em alguns cortes, mas esse é um detalhe muito pequeno e que, sinceramente, é muito subjetivo para diminuir o valor do trabalho de fotografia do longa. O filme faz uso uso de uma combinação de planos gerais e planos super fechados que entregam com excelência a ideia do quão massiva é a guerra para cada um. Temos câmera parada quando ela se faz necessária, steady-cam sem excessos e uma consciência constante em relação a mise em scène. Tudo é muito orgânico, das locações aos figurinos passando por todas as cenas de guerra (inclusive, não há explosões em exagero em cena alguma). E se me disserem que não há nada de CGI no longa, eu compro, porque, se houver, é discretíssimo. O filme parece, o tempo todo, muito real.
Outro aspecto técnico brilhante aqui é o som. O design de som do filme é meticulosamente bem feito, do primeiro tiro ao ruído do oceano nas cenas calmas na praia. E, é claro, o que torna toda a narrativa audiovisual de Dunkirk realmente palpável, tensa, o que nos mantêm na beira da poltrona é a trilha sonora de Hans Zimmer.
Novamente, Hans Zimmer prova sua competência e precisão cirúrgica para com a trilha sonora.
A trilha não tenta roubar a cena em nenhum momento. Tirando uma única cena mais emotiva, na qual a trilha musical entra com mais protagonismo e melodia (corretamente, por sinal), por todo o longa a trilha sonora não é algo alheio aos ruídos e ao visual, mas se molda a eles criando uma experiência enervante (preste atenção no som de relógio presente por quase todo o filme) e dando à obra o tom necessário pra que ela entregue a mensagem que procura entregar.
E afinal, qual é a mensagem que Dunkirk procura entregar?
Dunkirk é um filme de guerra que a aborda sob o prisma melancólico, cansado, triste e lutuoso de quem quer voltar pra casa.
Uma abordagem diferente para o gênero, muito bem executada. O inimigo, o "vilão", não ganha rosto nem nome, é quase metafísico. As questões políticas, geográficas, os interesses das nações não são abordados. E esse é o maior acerto do roteiro: o foco aqui é retratar o cansaço e a tristeza destes soldados desolados e de uma Inglaterra aflita em meio à guerra, portanto, diálogos explicativos sobre as razões geopolíticas de cada ataque e o porquê do conflito mundial não apenas seriam desnecessários como atrapalhariam o longa em atingir o ponto que deseja.
O único defeito que pode ser apontado é o desenvolvimento de personagens, mas essa é uma questão que deve ser tratada com cuidado. Sim, o diretor toma a decisão consciente de retratar o acontecimento de maneira coletiva. Mostrando o macro e mesmo ao mostrar os indivíduos, mostrando-os juntos, tentando enfrentar essa terrível situação ou juntos ou pelos outros, como no caso do piloto.
E eu penso que isso torna o senso de realismo do filme muito mais efetivo: não há uma cena em volta da fogueira em que descobrimos que a esposa do Soldado Zé está grávida e que o Soldado João perdeu o irmão numa batalha. Durante uma guerra, muito provavelmente, você está preocupado demais com sua própria sobrevivência para que uma cena dessas ocorra, então é perfeitamente compreensível a decisão do diretor, dado o objetivo do longa, de manter o foco da narrativa mais amplo, um sentimento generalizado e onipresente, ao invés de fechá-lo num personagem.
No entanto, Nolan tem sim, alguns personagens que levam a trama adiante aqui. Eles são os que tem mais diálogos e tempo em cena, contudo, não tem quase nenhum desenvolvimento, de maneira que fica mais difícil realmente se importar com eles, e nesse ponto, o filme perde força. Não precisava da cena da fogueira, mas poderia ter uma pitada a mais de desenvolvimento emocional.