Crítica | Inside Llewyn Davis
Em um momento obviamente evocativo, um empresário pede ao personagem de Oscar Isaac que toque uma música de seu álbum. Ou seja, toque uma música de Inside (dentro, em português) Llewyn Davis, nome de seu álbum, nome do filme, e nome de tudo menos o que vemos em tela quando o mesmo não empunha seu violão.
Um dos filmes menos característicos dos renomados Irmãos Coen - donos de uma das melhores filmografias dos anos 90 pra cá - “Inside Llewyn Davis” conta a história de um cantor de Folk no início dos anos 60 que, não conseguindo encontrar sucesso o suficiente nem ao menos para se manter, tem de pular de casa de amigo em casa de amigo no conhecido bairro Greenwich Village, de Nova York, algo muito comum entre os cantores do gênero na época, à procura de um trocado para sobreviver ao dia e um contrato para sobreviver à vida.
Llewyn Davis, em partes baseado na história de Dave Van Ronk, é o protagonista e o vilão de sua própria história… ou melhor, ele é sua própria história. Um cliché quase eterno do homem que custa em aceitar que sua vida está passando, ou até já passou, Davis não pensa o suficiente sobre si mesmo para ver que, definitivamente, não se encontra em um estado onde se pode dizer feliz. Ele é, em outras palavras, um músico quase sem vida e que a todo momento questiona a nós, o público, o porquê deveríamos torcer por ele como pessoa.
Em um momento, como exemplo, ele tem de arranjar dinheiro para pagar o aborto da namorada de seu amigo, a qual ele engravidou. Em outro, ele pergunta à este mesmo amigo (que, obviamente, não sabe que ela está grávida) quem escreveu a embaraçosa música a qual estão gravando, apenas para descobrir em uma tirada sensacional do roteiro que fora ele próprio, seu amigo, o autor da atrocidade (que até é divertida, mas Davis é enfastiado demais para apreciar). Pior ainda, em certo momento ele critica uma amiga sua por cantar junto a ele em uma forçada apresentação na mesa de jantar ou pior ainda, ele ridiculariza, enquanto bêbado, uma mulher cantando no palco do lugarzinho onde infelizmente se apresenta com frequência para filar o pouco de dinheiro que não consegue salvar.
É possível ser mais intragável do que isso sem cometer um crime propriamente dito?
Justamente essa sua personalidade pouco atraente torna curioso o magnetismo que o filme apresenta em seu primeiro ato, mesmo que o perca levemente no segundo e o extingua no terceiro. Apesar da magistral (e esnobada) performance de Oscar Isaac, há algo na personalidade de Davis que faz com que todos nós, de certa forma, nos associemos à sua trágica jornada que ele chama de vida. Ele está estagnado por tentar, com todas as forças que nem sabe se ainda tem, seguir os sonhos que sabe que ainda tem e, justamente por isso, se mostra um reflexo de algo que não queremos nunca ter de olhar na frente de um espelho, mas um lembrete de o quão fraco fomos, somos ou ainda seremos perante à coisas que, um dia, nos moveram mais que dinheiro, sucesso ou fama. E apesar de justificável, não deixa de ser curioso que seus únicos momentos de ternura são com diversos gatos o qual ele julga ser o mesmo, o que também pode ser lido como uma metáfora para seus próprios dilemas. Por fora, mais um, por dentro, perdido.
E é inútil pontuar o quão bem o roteiro aborda sua personalidade ao retratar seu modo de vida cíclico, ou como a cinematografia de cores frias lavadas ressaltem seu estado de espírito, ou o quão bem os irmãos Coen o enquadram em planos quase claustrofóbicos - influenciados pelo Noir, em certos momentos - durante todo o filme, seja em um pequeno sofá, em um carro apertado ou em um corredor estreito, exceto quando o mesmo está cantando - e Isaac se sai muito bem -, em tomadas que, apesar de enfatizarem sua trágica figura normalmente em meio à escuridão e ao vazio, se mostram mais abertas, como se ali ele se abrisse para o mundo a sua volta. Por mais cliché que seja, Llewyn Davis, um artista fracassado, apenas é ele mesmo quando em função de sua arte. Em todo o resto do filme ele é um pouco de uma versão, talvez nem mais existente, de cada um de nós.
Depois de repensar intensamente minhas opiniões acerca deste filme creio que cheguei à decisões quase tão exatas como a errática existência de seu personagem título. Tecnicamente, é outro trabalho admirável dos Irmãos Coen e, por mais que os segundo e terceiro atos tenham, de certa forma, me cansado e devam cansar à maior dos espectadores, pois não há gratificação no terminar do longa, a história - que não acaba quando os créditos começam a descer - permaneceu e ainda permanece martelando minha cabeça. Não é uma trama de redenção, educação ou ascensão, é um retrato quase estático, agonizante, de algo que nunca teve um exato começo e não aparenta ter um verdadeiro fim. Não é, para simplificar, um filme recomendável para qualquer pessoa que busque entretenimento, mas nunca deixa de ser indispensável para qualquer amante do bom cinema. Ou melhor, para qualquer pessoa que não sabe bem onde está e como foi parar ali.