Crítica | A Árvore da Vida
Sou um confesso fã de filmes que retratam a vida, ainda mais dos mais recentes por, justamente, mostrarem o mundo no qual vivo. Tenho, por exemplo, tanto “Synedoche, New York” como “Boyhood” entre os meus favoritos de qualquer gênero. Logo, ao ler que Roger Ebert havia classificado este “Árvore da Vida” como um dos dez melhores filmes de todos os tempos, minha curiosidade cresceu a níveis estratosféricos, mas, ainda assim, demorei demais para assistir-lo. O porquê?
Bem, como amante do cinema, acredito em algo como o momento certo para assistir a um filme, por exemplo: vamos dizer que você nunca tenha assistido à “O Silêncio dos Inocentes” ou à “Seven”, mas sabe o mínimo de suas premissas… bem, um dia ensolarado de verão onde você está apenas afim de relaxar talvez não seja o melhor momento para conferir aqueles mundos sombrios e melancólicos. Porém, com “Árvore da Vida”, este momento é mais difícil de ser encontrado, pois, além de seu nome já instantaneamente evocativo e de ser um filme de Terrence Malick, quando você sabe que está na hora de assistir algo que, possivelmente, vá fazer repensar toda sua forma de ver o mundo? E se supor coisas tão grandiosas como essas são um erro antes de assistir à qualquer obra, não fazê-lo é uma tarefa que se prova ingrata visto a repercussão que o longa gerou.
O que me leva à minha experiência ao assistir ao filme e é importante avisar que, neste texto em específico, dividirei os comentários entre os aspectos técnicos e as minhas percepções pessoais. Porque o meu, e o seu, apreço por “Árvore da Vida” depende única e exclusivamente de como você encara sua proposta.
O filme
Malick é um diretor ambicioso e dono de uma filmografia renomada, que não escolhe projetos a toa e, parafraseando Roger Ebert, é um dos poucos cineastas vivos que não se contenta com nada a menos do que uma obra prima, e isso é visível ao analisar cada milímetro do longa.
Os lisérgicos efeitos visuais, supervisionados por Douglas Trumbull (“2001: Uma Odisseia no Espaço”, “Blade Runner”) e criados sem a utilização de computadores, retratam o início e fim do universo de forma psicodélica e grandiosa, empregando também a bela composição Opus 161, trabalho de lumia - arte feita de luzes, alaranjada no caso do filme - pelo pioneiro da arte, Thomas Wilfred, em diversos momentos, acredito que como um símbolo da vida. E a música de Alexandre Desplat sucede em transformar estas cenas, que não deixam de parecer científicas, em algo sagrado, como se a divindade pertencesse, na verdade, ao universo em si. Já as cenas mundanas, que remetem à infância de Malik nos anos 50, aparecem desconexas e borradas, graças à cinematografia naturalista e exploradora de Emmanuel Lubezki e do grupo de editores que contou com o brasileiro Daniel Rezende (“Cidade de Deus”), como se representando as memórias que fizeram Malik escrever este roteiro.
Ainda assim, é importante constatar que se, em seus aspectos técnicos, “Árvore da Vida” é impecável, o mesmo vale para sua proposta de mostrar como a experiência humana, apenas um ínfimo momento de toda a magnitude do universo, representa os velhos dizeres de que talvez sejamos a forma do mesmo de experienciar a si próprio. Pois se a descoberta da vida em um nível subatômico, seguido de explosões estelares até, por fim, a era dos dinossauros, representam começo meio e fim, o mesmo pode ser dito da época mais conturbada de nossa existência, onde começamos a descobrir, também, de onde veio a vida, como ela é, como ela tende a ser e como ela tende a acabar. Por isso Malick é tão bem sucedido em mostrar o cotidiano de uma família com três filhos no núcleo principal da narrativa, sendo que a morte precoce de um deles ao chegar na vida adulta passa a clara sensação de que nada diferimos da mesma poeira estelar que reside em nossos corpos, pois se cada nascimento é um novo raio de luz (que é vista em momentos distintos da projeção), cada morte é uma explosão da mesma, que reverbera em tudo e em todos a seu redor.
O cineasta consegue, também, balancear seus temas religiosos de forma inteligente. Ao mostrar as dúvidas crescentes na cabeça de Jack perante sua criação conversadora e cristã, Malick cria um paralelo claro com as próprias incertezas da humanidade acerca da existência, pois mesmo que os eventos mostrados reflitam a teoria do Big Bang, o filme jamais deixa de apreciá-los com a mesma beleza e devoção que a maioria das religiões enxerga suas próprias teorias.
E se a personagem de Jessica Chastain surge como um ser etéreo, iluminado e constantemente atrelado à natureza e à bondade, é apenas justo que o de Brad Pitt mostre o lado rígido e institucional da espiritualidade, ambos compondo um retrato da família convencional na época da infância de Malick. Ele abriu mão de seus sonhos musicais para entrar para o exército, mas e ela, que provavelmente nunca foi dada a oportunidade de sonhar com algo a mais do que ser mãe? “Árvore da Vida” é repleto dessas pequenas rimas dissonantes que, além de encaixar com a premissa da experiência humana, falam sobre as escolhas que fazemos que alteram esta experiência ou, em uma escala mais assustadora, a falta de controle que temos sobre ela, seja por barreiras sociais (o machismo institucional), emocionais (o machismo psicológico que não permite que meninos sejam sensíveis) ou biológicas (a morte).
Logo, é fútil dizer que o longa que, assim como os melhores trabalhos retratando a vida humana, não possui história - como se toda a jornada do universo até aqui não fosse - ou apela para a auto-indulgência. Por isso, sugiro que, caso ainda não tenha assistido, encare este filme como uma experiência, pois, assim, poderá definir se ela se relaciona ou não com sua própria vida.
E isso me leva à…
a experiência
Pois, novamente, se como filme “A Árvore da Vida” é metafórica, visual e conceitualmente deslumbrante, é o seu valor emocional que o torna tão especial.
Para mim, como para muitos brasileiros, a vida não poderia ser mais diferente da daquelas crianças vivendo em um subúrbio no sul dos Estados Unidos, ainda mais se vocês, como eu, não viveram nos anos 50. Brincar na rua não é algo “comum” no Brasil há muito tempo, ainda mais nas grandes cidades, e ter uma mãe completa e unicamente dedicada à maternidade e ao marido (por vezes deixando de lado a si mesma) se torna, felizmente, algo mais raro a cada ano que passa. Mas, ainda assim, é inevitável não se relacionar não com o cotidiano daquela família, mas com as descobertas e dúvidas que visivelmente surgem na cabeça de Jack (Sean Penn quando adulto, Hunter McCracken quando jovem) conforme o mesmo começa a questionar padrões, até então, impostos sem condições de argumento por seu pai. E se a rebeldia não fez parte da minha pré-adolescência em particular, ou da sua, isso não muda o fato de que já vimos e convivemos com jovens que apresentavam comportamentos problemáticos, mas, na maioria das vezes, não nos perguntamos o que estaria por trás sendo que, talvez, a origem desses problemas seja, sim, algo que também enfrentamos, mas reagimos de forma diferente.
Logo, apesar de não me enxergar em Jack, conheci outras versões dele em épocas que não tinha condições de fazer algo a mais se não julgá-los por suas atitudes. E ao refletir sobre o filme percebo o quanto sinto por aquele jovem, não por culpa, mas por saber que ao menos em alguma parte da vida também me vi confuso, também precisei de respostas que não sabia, na época, que jamais encontraria, pois se “A Árvore da Vida” é excepcional em retratar a experiência do universo em escalas micro e macro, o que o filme jamais tenta fazer, e jamais poderia, é explicar o porquê das coisas. Portanto, nos convidando a simplesmente esquecer as respostas por um momento e abraçar as dúvidas, percalços e dores que tornam nossa experiência na Terra algo tão único.
Todos viemos de algum lugar e todos caminhamos para o mesmo fim, e o que fazemos entre estes dois pontos não vai definir se vivemos certo ou errado, mas apenas como utilizaremos nosso ínfimo tempo para apreciar o universo e a nós mesmos. Por isso, se como filme “A Árvore da Vida” é impecável, como experiência é valoroso para todos que compreenderem sua mensagem. Se há algum Deus, ou Deusa, ou Deuses, nunca saberemos, mas talvez devêssemos procurar estas e tantas outras respostas nas pequenas coisas do dia a dia, pois não é para sempre que as vivenciaremos.