Crítica | Homem-Aranha
Raro é o filme que permanece original após mais de 15 anos. Raro mais ainda é o filme que consegue marcar sua infância e que, após tantos anos, te transporta de volta para ela.
Me lembro até hoje de ter ido assistir ao primeiro filme do "Homem Aranha" junto com meus colegas de escola. Talvez o herói mais popular naquele tempo, junto à Batman e Superman (e Super Choque!), estava ganhando um filme live action. Eu nem sabia direito o que internet era, a palavra spoiler não fazia parte do meu vocabulário e qualquer coisa que eu pudesse especular do filme vinha dos trailers, que nem me lembro de ter assistido.
O que Sam Raimi precisava fazer não era construir um universo cinematográfico, ou preparar diversas sequências, ou até mesmo se fazer valer frente a outros filmes de super herói. O último filme do Homem Morcego? "Batman & Robin" em 1997. O último do Homem de Aço? "Super Man IV: Em Busca da Paz" dez anos antes. Fora "X-Men" em 2000, o padrão para super heróis no cinema estava em baixa. Mediante a isso, Sam Raimi se preocupou com apenas uma coisa: nos apresentar o amigão da vizinhança. E esse é o maior trunfo deste filme.
Tragam quantos atores quiserem, nunca vão encontrar um melhor Peter Parker que Tobey Maguire. Trazê-lo predominantemente como um aluno brilhante, que mesmo sem recursos financeiros cria lançadores de teia sintética, não combinaria com sua maior característica, ser um adolescente comum do Queens, em Nova York. Ele não tem muitos amigos, é apaixonado por uma garota que sai com caras populares, não tem dinheiro, é um perdedor nato e isso está estampado em seu rosto.
Logo, quando a transformação ocorre, é impossível não relacioná-la a puberdade, como exemplificado pelas hilárias cenas, mas repletas de significados dúbios, onde ele tenta controlar sua teia e admira o próprio corpo no espelho.
Mas se as mudanças externas causam excitação e medo, elas apenas servem como amplificadoras dos conflitos internos que Peter apresenta. Nesse sentido, a morte do tio Ben de Cliff Roberson é tão essencial para o filme como a própria aranha que lhe dá seus poderes. Como Homem Aranha, ele precisa aprender a salvar uma cidade que não está 100% certa de que sua índole é correta (agradeça a J.K. Simmons por isso), e a cada instante é como se ele fosse testado por tudo a sua volta. Não apenas como um super herói, mas como o adolescente que é.
Raimi entende isso, e constrói estes momentos de transição com sumários dinâmicos e movidos pela crescente trilha de Danny Elfman, que ajudou a iconizar cenas como aquela onde Peter sobe as paredes pela primeira vez. É interessante observar como o diretor adota, também, tons mais pesados como na cena onde Mary Jane é atacada onde, inclusive, somos convidados ao Noir que fora tão associado com a natureza das ruas escuras de Nova York.
Sublime no peso que confere as cenas de ação, o uso de efeitos práticos nestas é fundamental para que não se perca o senso de realidade na narrativa, e é uma pena que em algumas das poucas vezes onde foram necessários os efeitos visuais, eles tenham envelhecido tão mal. O uso da câmera lenta de Raimi, advinda diretamente do recente Matrix, também fora saturado nos anos seguintes ao lançamento do filme, mas não deixam de adicionar um quê quadrinhesco para um personagem que sempre foi… bem, feito para os quadrinhos.
E aí entra uma das principais críticas feitas ao filme, que ele seria cheesy em excesso, e não mostrava o lado debochador do Homem Aranha. Bom, ambas as críticas são infundadas, pois quando comparada a maioria dos filmes de herói de hoje, a trilogia de Sam Raimi se mostra muito mais determinada a colocar seu herói por provações realmente perigosas e, ao mesmo tempo, há espaço para o humor ácido do herói em pelo menos três ou quatro cenas. Mais que isso, e teríamos algo do nível “achei que ela estava com você” ou “vocês estão tão ferrados agora”.
Não, não é um filme livre de erros, mas a grande maioria deles se dá pelo fato de alguns elementos terem envelhecido piores que outros. A própria roupa do Duende Verde, que falha em ter uma máscara completamente rígida, me agrada mais aos olhos que os seres feitos em computador de hoje em dia. O vilão, interpretado pelo sempre ótimo Willem Dafoe, é subestimado no gênero, pois apesar de não ter um plano concreto, seu discurso para o Homem Aranha não é desprovido de lógica. Ao invés de botarem outros em risco, podem se unir.
Já Harry surge sim como um jovem inseguro e meio insosso, mas sua personalidade seria melhor desenvolvida no futuro. O que não funciona até hoje é o triangulo amoroso entre eles e Mary Jane, sendo quase inexplicável por que ela sequer se junta à Harry.
Porém, são pequenos problemas que não diminuem em nada o fato de este ser um dos poucos filmes do gênero que entende o que um super herói deve ser. O Homem Aranha salva pessoas de incêndios, prende bandidos, reage à cidade a sua volta e, principalmente, a cidade reage a ele, tornando este, por mais romancista que seja, um dos retratos mais possíveis do que seria um super herói de verdade. Hoje, quase duas décadas após seu lançamento, é um filme que continua divertido e capaz de provocar emoções - ambos, mais do que muitos de seus contemporâneos.
Se já podemos chama-lo de um clássico do gênero? É claro que sim.
8.5