Crítica | RRR

A PUREZA DA AÇÃO

Sucesso Indiano é mais um sintoma de que o Cinema quer se libertar da auto-consciência


Já virou clichê falar mal de Hollywood e usar blockbusters Indianos como comparação, mas é meio impossível não pensar no potencial desperdiçado quando vemos algo como esse semi-épico de S.S. Rajamouli.

Ele pode não saber votar na Sight & Sound, mas comprova mais uma vez que seu domínio sobre o que a tecnologia pode oferecer ao Cinema deixa Marvel e DC perdidos na 25 de Março, tentando encontrar uma fantasia de super-herói para quem quer que sejam os novos super-heróis que desenterraram.

Mais que isso, o filme, e o sucesso de Rajamouli, aliados à títulos como Top Gun: Maverick e Avatar 2 mostram que, talvez, o Cinema esteja pronto para se libertar das amarras do pseudo-realismo.

Semelhante ao grandioso Bahubali (2015), RRR é um filme que jamais se preocupa em explicar suas origens fantásticas. Ou melhor, nem faz questão de tornar isso uma questão. Quando vemos um pacífico integrante de um vilarejo colonial enfrentando um tigre de igual pra igual, não há necessidade de lógica - as alternâncias entre a câmera lenta e acelerada (algo que Patty Jenkins tentou fazer em seu Mulher-Maravilha (2017), mas soou tosco), pontuadas por uma trilha sonora bombástica, te convidam a apenas apreciar o momento. Não há piada com As Aventuras de Pi (que com certeza haveria se fosse um filme da Marvel), mas sim um momento solene entre homem de verdade e criatura de CGI.

Assim como os filmes de James Cameron e Joseph Kosinski, é um projeto que procura relações mais naturais com a linguagem, o que vale é o que vemos, imagens que podem ser carregadas de heranças tanto dentro como fora das telas (pense na iconografia de Tom Cruise, do Cinema Indiano, no fim da carreira do primeiro e no contexto histórico do segundo), mas que procuram efeitos diretos e espontâneos.

Impressiona também a relação entre o realismo das sequências de ação e a fantasia adotada na abordagem. Por mais absurdo que sejam os feitos físicos dos protagonistas, eles estão ali, tornando a suspensão da descrença algo praticamente automático. Em determinada cena, dois homens que nunca se viram antes se comunicam por olhares e realizam um resgate nível Missão Impossível, o que deve provocar o famoso “só em filme” do pessoal apaixonado por verossimilhança, mas alérgico a Cinema realista de verdade.

E claro que a noção Ocidental de atuação se corrompeu ao longo dos anos, mas o que faz a dupla principal aqui é digno de todas as aclamações possíveis - além de atuarem “bem”, realizam as sequências de ação a modo de envergonhar as massinhas de modelar que substituem os astros norte-americanos, e ainda dançam mais do que estes quando em decadência de carreira recorrem ao Dança dos Famosos.

Interessante também como Rajamouli encontra espaço para explorar temas mais substanciais: a dicotomia do cavalo e da moto, a arma como maneira de libertação do povo e não de violência descabida, a tecnologia em prol do desenvolvimento humano e de suas relações (o que me lembra Toy Story, o qual ele deve ter quase incluído na sua lista) e não em detrimento de nossa humanidade.

Ainda assim, e semelhante aos Bahubali, sinto como se mesmo em um filme tão expansivo ele pecasse pela falta. Como se abdicasse de resoluções tanto temáticas como narrativas (aqui, a exclusão de um “fim” para as personagens femininas me incomoda um tanto), transformando o filme em praticamente um festival de momentos, e não em algo totalmente coeso com si próprio.

E por mais empolgantes e/ou gratificantes que estes momentos sejam, ao abusarem da relação ingênua, quase infantil com o Cinema de ação e fantasia, acabam abordando com uma superficialidade frágil a ideologia, no mínimo, discutível que o filme adota. Não que seja difícil (ao menos pra mim) enxergar Ingleses como criaturas malignas, algo até comovente (difícil imaginar outra maneira que crianças indianas os enxergariam na época da colonização) justamente por contrapor os objetivos materiais do império com a simples, mas poderosa vontade de viver em liberdade que todo Indiano ainda deve partilhar.

Mas, por mais gratificante que seja ver o início da destruição do império colonizador, a verdade é que os crimes foram ainda mais brutais que aqueles ali mostrados, e não foram resolvidos de maneira heróica e/ou “satisfatória”. Não foi uma flecha, mas uma greve de fome, a maior das ironias para um povo que tanto sofreu, e que só queria ter sua própria terra de volta. De novo, Rajamouli parece ciente disso - e não economiza na brutalidade dos vilões -, e visto o sucesso do filme na Índia, essa espécie de Django Livre indiano parece ter caído bem.

O que não deveria surpreender. Pois mesmo com suas políticas inevitavelmente ambíguas, RRR é um filme tão sincero e apaixonado por seus heróis que o resultado final é um blockbuster adorável sobre resolver as mazelas históricas com explosões e dança. Cinema pipoca em seu estado mais puro.

8.8

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