Crítica | Gosto de Cereja

critica gosto de cereja

O realismo de Kiarostami é curioso porque desperta emoções tão intensas que elas poderiam soar fabricadas. Em “Gosto de Cereja”, elas vem acompanhadas de uma mensagem clichê sobre aproveitar a vida, sobre o quão linda ela é, com discussões filosóficas e conversas reais e triviais demais para não terem sido escritas, mas que, no fim, entrega seu maior soco justamente quando percebemos que tudo que o homem fazia era pegar uma câmera na mão e… mostrar.

Ele até mostra a própria câmera no final no final, em uma polêmica sequência que dividiu muitos críticos - pra mim não fez absolutamente nada na hora e segue sendo um momento nem amargo, nem doce… nem agridoce -, quase como uma piscada de olho para os espectadores que embarcaram naquela jornada com o Sr. Badii. Devemos torcer que ele encontre alguém pra realizar o serviço que procura (a sequência com o menino seria hilária caso eu não soubesse de antemão quais eram suas intenções), ou para que desista? Faz diferença não descobrirmos nada sobre ele, ou seria melhor entender porque ele quer o que quer?

Meu ponto é: Kiarostami mostra a vida que é mostrada pela câmera. Não importa como ele chegou ali, importa que chegou, e toda a dor e confusão que o rosto inexpressivo de Homayoun Ershadi conseguem evocar de forma tão milagrosa. Um arquiteto por boa parte da vida, Kiarostami o escolheu para o filme quando o viu sentado em seu carro em um engarrafamento, e por qualquer motivo viu naquele não ator o que seu personagem precisava. Há uma relação quase poética da câmera com ele, o acompanhando de maneira quase doce, compreensiva, e estabelecendo uma distância inexorável entre ele e todos os seus passageiros.

Quando Badii se deita no escuro, nem me perguntei o que aconteceria, ou antecipei, era como se o momento por si só fosse na contramão do resto do filme, e escolhesse não provocar nada. O que há, é paz. Seja ela reconfortante ou aterrorizante. O que acontece depois dali, talvez o próprio nome do filme responda, em mais uma resolução poética e apaixonada da vida real.

A qual Kiarostami consegue achar beleza como ninguém.

8.3

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