Sessão de Isolamento Outra Hora | Dia 8
Com o famigerado Coronavirus se alastrando pelo mundo, muitas escolas, faculdades e negócios vem suspendendo atividades até que a pandemia seja controlada.
Logo, nós do Outra Hora decidimos criar um guia com dicas para todos vocês que vão passar de uma a duas semanas sem poder sair de casa, na esperança de tornarmos esse período mais agradável para todos. Todo dia indicaremos três filmes (um na Netflix, um na Amazon e outro não necessariamente em alguma plataforma), três álbuns (um novo, um antigo e um brasileiro) e duas séries (uma na Netflix e outra na Amazon) para serem conferidos, e que são de fácil acesso - nada de pirataria (piscadela).
Caso tenham alguma dica, deixem nos comentários, sendo que as sessões vão ser diárias.
Por Heduardo Carvalho
filme 1 | A Chegada
Aonde assisto? | Netflix
Por que assistir?
Baseado em uma das excelentes estórias do livro “História da sua vida e outros contos”, de Ted Chiang, e dirigido pelo espetacular Denis Villeneuve, “A Chegada” (2016) é uma aula pra vida. O que parece ser mais um filme de ficção-científica pra abordar alienígenas na Terra se transforma em um filme absolutamente transformador, potente, sensível e humano. A professora de linguística Louise Banks, interpretada pela injustiçada Amy Adams, é um dos pontos altos do filme, em uma construção de personagem complexa, doída e relacionável.
É um filme diferente da grande maioria que a indústria de Hollywood desenvolve. Assisti-lo é fazer perguntas e ter respostas que nos muda e nos dá uma perspectiva totalmente diferente da jornada. É entender nossas transformações e fazer parte delas, sabendo ou não quais elas são. Um filme inteiro e que enche de prazer a quem assiste. Não tem nada que eu recomende mais do que viver no isolamento pelo menos 1 hora e 56 minutos de completa imersão em uma estória que me levou a mudar a perspectiva de toda a minha história.
filme 2 | As Vantagens de Ser Invisível
Aonde assisto? | Amazon Prime Video
Por que assistir?
Stephen Chbosky é um escritor, roteirista e diretor que dificilmente vai conseguir se afastar da obra mais marcante de sua carreira. Depois da imemorável versão para o cinema de “Rent” (2005), a fraca adaptação live-action de “A Bela e a Fera” (2017) e o fofo, porém pior que o livro, “Extraordinário” (2017), tenho cada vez mais certeza que “As Vantagens de Ser Invisível” (2012) é a resposta perfeita para sua mão como diretor. Isso, provavelmente, porque é impossível não se relacionar com uma estória tão potente, e criada originalmente por ele no homônimo livro de 1999.
É com este filme que se entende como o cinema pode ter tanta relação com a literatura. Com recursos mais poéticos de se colocar as câmeras na vida adolescente, as descobertas e as dores que ocorrem rotineiramente na vida de tantos jovens. É saber completar um livro com um filme, e saber completar um filme com um livro. Para viver inteiramente a bela jornada de Charlie, Sam e Patrick, é preciso ler o livro e ver o filme, não importa a ordem. Mas aqui, para os que não se relacionam com a literatura, encontrarão um filme belo por inteiro. Além disso, se encontrarão com imagens tão amigáveis quanto Emma Watson, Logan Lerman e o talentosíssimo Ezra Miller.
filme 3 | 120 Batimentos por minuto
Aonde assisto? | Globoplay
Por que assistir?
Vencedor de quatro prêmios no Festival de Cannes 2017, incluindo Grande Prêmio do Júri e a Palma Queer, “120 Batimentos Por Minuto” (2017) conta a história do grupo Act Up de Paris em defesa dos direitos de soropositivos e avanço das pesquisas para proteção da comunidade, majoritariamente LGBT, que morria com HIV. Por mais pesado que seja seu retrato histórico, o filme revoluciona ao documentar um ativismo radical importante e que cria margem para os avanços dos direitos LGBT da nossa geração. É o retrato adequado de jovens que lutaram muito para chegarmos onde estamos, seja na França ou na maioria dos países ocidentais, e que escancara a o comportamento irresponsável de nossa geração, jovens que acreditam e se mobilizam apenas para uma luta virtual inerte.
“120 BPM” é o único filme LGBT que tenho conhecimento que documenta com perfeição a formação de gestão, estratégia e relação de grupo para fins da luta por direitos civis e da minoria política. Para além disso, conta a história belíssima e romântica de alguns dos integrantes do grupo. É uma obra deslumbrante.
Por Marco Oliveira
Álbum 1 | IN A POEM UNLIMITED, DE U.S. GIRLS
Aonde ouvir? | Qualquer plataforma de streaming
Por que ouvir?
U.S. Girls, o projeto musical da canadense Meghan Remy, vem lançando álbuns de estúdio desde 2007. Foi em 2015, porém, quando Meg alcançou um maior nível de visibilidade, com o lançamento de “Half Free”, um álbum de pop psicodélico de atmosfera surreal, noturna e extravagante. O passo seguinte foi o lançamento de “In a Poem Unlimited”, em fevereiro de 2018, e, neste álbum, U.S. Girls leva seus arranjos e composições para o próximo nível.
Em nove faixas (não contando os dois breves interlúdios), Meghan nos traz o que pode ser considerada uma carta de amor ao art pop, nesse álbum difícil de ser rotulado, pois trafega por diversos gêneros, subgêneros e inspirações, tudo isso em meio a letras carregadas de política e protesto. Em “Velvet 4 Sale”, por exemplo, encontramos uma faixa de neopsicodelia repleta de sentimentos de sororidade; em “M.A.H.” (abreviação para Mad as Hell), por sua vez, temos uma mistura de pop psicodélico com space disco, enquanto Meghan denuncia a falsa glória do governo de Barack Obama; já em “Pearly Gates”, é encontrado um riff capaz de chamar a atenção de qualquer um instantaneamente, agora sustentando uma letra de protesto contra o quid pro quo, narrando a história de uma mulher falecida que é forçada a transar com São Pedro para poder entrar no céu, atravessar os portões de pérolas. E esses são apenas alguns exemplos de um álbum que desafia o status quo tanto na música quanto na política e no cotidiano, de forma que se trata de um projeto que possui muito a ser apreciado.
Álbum 2 | lovetheism, de haru nemuri
Aonde ouvir? | Qualquer plataforma de streaming
Por que ouvir?
Haru Nemuri é uma artista japonesa que surgiu nos holofotes quando do lançamento do seu primeiro álbum, “Haro to Shura”, de abril de 2018. O seu projeto debut apresentava uma curiosa e inovadora mistura de noise pop e J-pop, com a utilização de elementos de hip hop, art rock e até post-hardcore.
Praticamente dois anos depois, Haru está de volta, com o lançamento do mini-álbum “LOVETHEISM”, no qual ela dá novos passos, evoluindo o som do seu primeiro projeto. Os elementos essenciais de “Haro to Shura” ainda estão presentes: os riffs de guitarra memoráveis, as linhas de sintetizador atrevidas e os vocais que flutuam entre explosividade (‘愛よりたしかなものなんてない’) e serenidade (‘Lovetheism’ e ‘りんごのうた’). De novidade, o que há é a utilização de estruturas mais complexas para as faixas, principalmente com a implementação de transições inesperadas e extravagantes. Como destaque, temos a faixa ‘Riot’, utilizada para promover o lançamento do mini-álbum, que possui um refrão otimista e hipnotizante, enquanto o instrumental possui linhas de sintetizador e órgão memoráveis, acompanhados por uma percussão que traz variações aptas a ditar o pacing da música, que posteriormente recebe a introdução de uma guitarra e um lindo solo de piano. Em suma, nesse curto projeto de 25 minutos, Haru nos entrega mais uma porção de faixas criativas, progressivas e viscerais, aptas a cativar amantes de ousadas fusões de gêneros musicais.
Álbum 3 | BLUESMAN, DE BACO EXU DO BLUES
Aonde ouvir? Qualquer plataforma de streaming
Por que ouvir?
Baco Exu do Blues, conhecido carinhosamente como Baco, é um rapper nascido em Salvador-BA, que levou seu nome aos holofotes após ter participado da diss track “Sulicídio”, em 2016. No ano seguinte, lançou o álbum “Esú”, que teve o hit “Te Amo Disgraça” e foi muito bem recebido pela crítica. Por fim, em 2018, deu sequência à sua discografia com o lançamento de “Bluesman”, o projeto mais audacioso de Baco até então, que, além do álbum, é acompanhado por um filme de mesmo nome.
“Bluesman” é interessante porque mostra Baco experimentando novos estilos de produção, tornando o álbum mais eclético no que pertine aos beats, mas sem perder a essência daquilo que lhe tornou popular: suas letras memoráveis e entrega emocional ao tratar de temas como racismo e relacionamentos. A temática é coerente e concisa, enfrenta o racismo institucionalizado e evoca empoderamento, o que é perceptível logo na faixa de abertura “Bluesman”, na qual as primeiras falas são de Muddy Waters, seguidas pelas de Baco: “Eu sou o primeiro ritmo a formar pretos ricos, O primeiro ritmo que tornou pretos livres…”. Mais além, o rapper faz analogias entre a sua vida, dentro e fora da música, com a de alguns de seus ídolos, como em “Kanye West da Bahia”, faixa em que Baco começa relativamente calmo, mas progressivamente se torna mais agressivo, e o instrumental o acompanha em perfeita sintonia. No mais, o projeto também possui algumas faixas no espectro melódico que também merecem destaque, como “Flamingos”, com sua guitarra melancólica, e “Girassóis de Van Gogh”, que adentra uma jornada emocional de amor não correspondido, a qual culmina em uma linda outro psicodélica que nos remete a algo que poderia estar em um álbum do Tame Impala. Assim, a produção refinada e as rimas sólidas de Baco são motivos suficientes para que Bluesman, ainda que em apenas 30 minutos, nos transporte para uma interessante jornada.
Por Pietro Braga
Série 1 | That’s 70 show
Aonde assistir? | Netflix
Por que assistir?
Assim como toda Sitcom, o sucesso e carisma que as situações vividas por um grupo de pessoas estereotipadas deve-se muito a química de seu elenco. Diferente dos grandes e bem sucedidos atuais seriados de comédia, em That’s 70 Show temos a oportunidade de ver como artistas mundialmente conhecidos, como Mila Kunis, Ashton Kutcher e Laura Prepon em seus tempos de “brilhantina” trabalhando como rostos desconhecidos.
Enfim, devido a um elenco confortável e devoto, tratando de forma leve mas ao mesmo tempo ácida ocorrências adolescentes, seu ótimo trabalho de escrita proporciona ótimas risadas e textos sociais e políticos com um ponto de vista genuinamente interessante pra época. Particularmente minha Sitcom favorita.
Por Pietro Braga
Série 2 | Queer eye
Aonde assistir? | Netflix
Por que assistir?
Queer Eye tem uma fórmula atrativa e provocante bem simples que vem sendo chamativa por muito tempo: Incentivar pessoas relativamente frustradas a repaginarem suas vidas em um contexto amplo. Casa, aparência, atitude. Interessantemente, a nova versão da série não se abstêm a apenas remodelar homens héteros.
Engraçado e emocionante, ao juntar 5 - hoje ícones - homens gays para desconstruir por completo a vida de pessoas inseguras e desorganizadas e injetarem uma nova perspectiva mais confiante e colorida, Queer Eye é um ótimo aproach também para o público mais conservador dar um primeiro passo em um processo de quebra de um ideal reacionário e equivocado sobre a cultura gay.