Crítica | Trágico Alibi (1945)

NOIR MINIMALISTA

Filme de Joseph Lewis se desprende de excessos em experimento curioso


Talvez seja possível campanhar para uma maior percepção da influência de Joseph H. Lewis no imaginário do cinema norte-americano. Mais por Império do Crime (1955) e, principalmente, Mortalmente Perigosa (1950), filme de casal assaltante que precede e supera outros mais conhecidos como Bonnie & Clyde (1967) e Terra de Ninguém (1973). Mas, tendo visto apenas três de seus filmes e com uma carreira que não atingiu a estatura de outros contemporâneos, me atenho a comentar como esse seu pequeno filme (de pouco mais de uma hora) propõe uma reflexão acerca de filmes tardios.

Se Mortalmente Perigosa conversa com Mizoguchi, este é seu Vertigo (1958), onde Gavin Elster contrata Judy para se tornar Madeleine, mas sem o consentimento desta. Com elementos também de À Meia Luz (1944), é um filme que se filia ao noir e conversa com outros tantos dos anos 40 e 50, que sugerem uma espécie de aprisionamento feminino que ainda demoraria tempos para resultar em libertação (se o cinema estadunidense algum dia chegou a isso).

O que é curioso avaliar é como Lewis poda o filme da expressividade comum ao noir: mesmo prisioneira de uma mansão parada no tempo, a casa parece apenas um cenário adjacente às percepções da protagonista. Tanto de forma diegética como extra, Lewis não parece ter qualquer cuidado especial com signos, sejam eles mais sutis, escondidos na mise-en-scène, ou evidentes. O estranhamento de Julia se dá justamente por uma certa normalidade, ela observa seus arredores com a intenção de escapar, mas se Hitchcock filmaria as manchas no cotidiano ou por forçar nosso olhar a encontrar algo de estranho ou mesmo por guiar nosso olhar a este algo, a encenação e a própria condução narrativa de Lewis despe o filme até mesmo da tensão.

O que me fez pensar em filmes mais jovens, como O Bebê de Rosemary (1968) ou, avançando meio século, Mãe! (2017). Em texto onde falo sobre as diferenças que tornam O Homem de Palha (1973) um filme folk e Midsommar (2019) apenas um horror interessado no folk, aponto para a transformação da cena em busca de estranhar o espectador e não o personagem, em como filmes foram cada vez mais buscando essas reações de estranheza na superfície, tirando de seus mundos qualquer traço de naturalidade - nela, onde jaz o verdadeiro estranhamento. Em filmes mais recentes, o estranho se torna um código, um dispositivo, e não um instrumento diegético.

O que não se pode dizer de Meu Nome é Julia Ross, pois ao deixar claro desde o início (o filme inclusive revela a trama escondida sem cerimônia, excluindo qualquer prazer com a reviravolta) suas intenções, a impressão é de que o estranhamento dá logo lugar à agonia da impossibilitação. O que não sei se exatamente prefiro, pelo menos em relação aos Hitchcocks e Tourneurs, mas que certamente tornam este filme uma peça rara. Em plenos anos 40, rejeitando os códigos que ainda se construíam para realizar um experimento de mínimo necessário.

7

Anterior
Anterior

Crítica | Mães Paralelas

Próximo
Próximo

Crítica | O Grande Segredo (1946)