Crítica | Jackie
Volta e meia, Natalie Portman me preocupa.
Indubitavelmente uma das atrizes mais talentosas de sua geração, Portman parece viver, no momento, uma espécie de ostracismo que é comum para toda e qualquer bela atriz de Hollywood. Quando novas e com feições que ainda lembravam meninas inocentes, nomes como o dela e de Anne Hathaway, por exemplo, estavam no topo do mundo da mesma forma que atrizes como Jennifer Lawrence e Margot Robbie estão agora. Porém, quando as mesmas começam a demonstrar sinais físicos de que já são mais mulheres que garotas e decidem tomar conta da própria vida e carreira, é como se fossem levemente escanteadas até que seu público não mais veja as ninfetas com quem antes fantasiavam, e apenas atrizes veteranas que não mais tem a necessidade de exibir o corpo em tela a cada novo trabalho. Por isso, não é de se surpreender que obras como o ótimo “Aniquilação”, a qual ela encabeçou em 2018, e este excelente “Jackie” passem desapercebidos pela maioria.
Mas enquanto isso é um processo enraizado e que dificilmente mudará nos anos a seguir, o que me preocupa, especificamente no caso de Portman, é sua saúde física e mental. Pois se em “Cisne Negro” ela estava tão magra que parecia mais frágil que um palito de dente, neste filme do chileno Pablo Larraín que retrata a vida de Jackie Kennedy nos dias subsequentes ao assassinato de seu marido, mesmo as mais grossas e protetoras camadas de roupa não conseguem esconder o fato de que a atriz, na época com 35 anos, lembre uma boneca de porcelana tão leve que o vento seria capaz de fazê-la voar. E apesar de não saber julgar se sua aparência é um motivo ou uma consequência de sua magistral performance - que envolve emular o sotaque, a voz e os movimentos corporais da ex-primeira dama -, é fato que estas duas andam lado a lado.
Brilhantemente dirigido por Larraín na maior parte do tempo, “Jackie” é econômico com seus 100 minutos de projeção, mas oferece um efeito duradouro e consideravelmente caro ao espectador que, ao invés de assistir à uma suposta biografia, é imerso no mundo de uma mulher que, como tantas outras, se vê encurralada em um mundo repleto de homens, ao passo que tem de sobreviver à uma tragédia inigualável na história recente da humanidade. Ao enquadrá-la em planos fechados quase intrusivos, onde a câmera na mão nos dá a impressão de estarmos a poucos centímetros da ex-primeira dama, o diretor centraliza todos os acontecimentos da história a sua volta, enquanto gradativamente dá mais espaço para que a atuação de Portman revele um ser humano conturbado e sofrido por debaixo de todo o glamour.
Considero inexplicável que Noah Oppenheim, responsável pelo mediano “Maze Runner” e o atroz “A Série Divergente: Convergente”, tenha conseguido podar a história de forma que os sentimentos de Jackie se mostram mais interessantes, e até mais importantes, do que os acontecimentos envolvendo o ex-presidente assassinado. Porque além de costurar o roteiro de forma envolvente, ele é capaz de oferecer uma visão feminina - e feminista - não apenas daquele incidente, mas de toda a narrativa envolvendo sociedades machistas e patriarcais mundo afora, onde mulheres são apenas companhias para seus maridos. Talvez este seja o primeiro de outros grandes trabalhos a vir do roteirista, mas, até agora, foi um ponto completamente fora da curva.
“Jackie” é também excepcional em sua reconstrução de época, que vai desde o figurino evocativo, passando por planos abertos ao mesmo tempo grandiosos e conservadores, à elegante fotografia de Stéphane Fontaine (responsável também pelo ótimo “Elle” e pelo excepcional “Capitão Fantástico”, também em 2016), que contrapõe as cores vivas usadas por Jackie com a atmosfera fúnebre que toma conta da projeção nas cenas envolvendo o enterro de Kennedy. Ao aplicar uma granulação mais espessa, Fontaine não apenas cria um visual elegante e correspondente à vida esterilizada e cheia de excessos daquelas pessoas, mas pinta o filme quase como um retrato antigo, dotado de nostalgia e melancolia, que apenas reforça o estado de espírito de sua personagem principal.
E por mais que as performances de Peter Sarsgaard, como Bobby Kennedy, e de Greta Gerwig, como Nancy Tuckerman, sejam convincentes, nada mais são do que apoios emocionais que impedem Jackie de desabar. Já John Hurt é capaz de comover com poucos minutos em tela, ao introduzir um dos temas primordiais da narrativa: a mortalidade e o que fazemos com ela. E se ver alguém aparentemente tão sábio reconhecendo que há respostas que jamais seremos capazes de encontrar, é ainda mais desesperador imaginar uma mulher profunda e eternamente ligada à um homem, e uma tragédia, decidindo o que fará com o resto de sua vida.
Milimetricamente eficaz em dois de seus três arcos narrativos, o filme acaba sendo boicotado apenas por aquele que traz a entrevista da ex-primeira dama que, apesar de bem filmado, acaba escancarando o abismo existente entre a complexidade dos personagens de Portman e do jornalista interpretado por Billy Crudup, que pouco ou nada oferece de valioso ao desenvolvimento dos temas propostos.