Crítica | Vidas Passadas

Um terço de filme

Estreia de Celine Song passa despercebida até sua última parte.

É engraçado ver um filme de desencontros e sentir que ele também fica a maior parte do tempo fora de ritmo. A história de dois personagens desde o primeiro amor no adolescer até a vida adulta dividida em três partes é aborrecida, até que os dois finalmente se reencontram e aí Song encontra também sua câmera e dirige belíssimas cenas. Não fiquei com dúvida nenhuma sobre o potencial de Celine Song enquanto diretora, o que deixou a desejar em “Vidas Passadas” são dois atos presos a um roteiro que lembra uma comédia romântica qualquer dos anos 2000. Talvez a falta de instinto da diretora a tenha deixado insegura no começo da carreira ou talvez o filme está somente apenas no terceiro ato.

Quando começamos a ver a vida das duas crianças se apaixonando na Coreia parece que assistimos a um drama coreano, as cores na paleta azul a composição dos quadros, que inclui aquele onde elas brincam em estátuas, trazem um ar meloso e inocente para a vida dos dois. Quando se separam e o filme avança para sua juventude, e eles formam um vínculo virtual quando ela mora em Nova Iorque e ele na Coreia e é essa parte, esse meio que torna “Vidas Passadas” tão complicado. É extremamente aborrecido ver os dois se relacionando por Skype, não há aqui nenhum sentido, apesar dos dois insistirem na relação virtual. Esse trecho se encerra com a personagem de Greta Lee conhecendo seu futuro marido.

Na terceira parte, com os dois adultos ainda morando longe e sem se falar novamente, que as coisas se encaixam. A chegada do novo personagem, o marido de Greta Lee que seria antagonista Teo Yoo em outro filme, é assimilada não com antagonismo mas com carinho da parte da câmera. No terceiro ato os três se encontram e Song se encontra com seu filme. A gente percebe que não estávamos assistindo a vida de duas pessoas, mas duas histórias sobre três personagens. O sentimento que cada ponta desse triângulo sente pela outra começa a transbordar da tela, e a cena em que eles finalmente se reúnem no bar e entendem como a complexidade do que sentem atravessa a câmera é brilhante e quase compensa tudo que faltava até então.

Desde que vi “Vidas Passadas” os dias foram passando e eu não pensei tanto nele, mas isso não o impediu de tomar uma forma meio esquisita na minha memória, um gosto amargo de um mau filme que depois de 1 hora de começa a ficar doce (talvez meio-amargo), ou por costume ou porque a fórmula simplesmente muda. Esse filme com essa forma um tanto esquisita me conquistou de leve e ficou um pouco íntimo de mim. Como pode um longa que odiei pelos dois primeiros atos parecer tão bom? Acho que não pode, assim como Celine Song não poderia ter terminado esse filme sem os dois protagonistas ficarem juntos, mas terminou. O que quero dizer é, por muita ou por falta de inspiração, a estreante diretora me convenceu que seu filme precisava ser ruim mesmo no começo, porque quando as peças se encaixam ele justifica todo esse sofrimento, a sensação de que algo está faltando. E estava.

7

Anterior
Anterior

Crítica | Crianças ao Vento (1937)

Próximo
Próximo

Crítica | Napoleão (1927)