Crítica | Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal

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É uma pena a insensibilidade de quem traduziu o título oficial do sétimo filme envolvendo o notório serial killer Ted Bundy que, assim como a mídia na época, fez questão de romantizar uma das figuras mais macabras que já caminharam por esta Terra. Não que fosse possível cobrir um caso como este sem o fazê-lo, pois, por pior indivíduo que Bundy tenha sido, é inegável dizer que era também um ser fascinante.

E para todos vocês que ousarem sugerir que minha ética é abalada por utilizar um adjetivo como este para descrever um homem que matou mais de 30 pessoas, saibam que este fascínio é praticamente um mal comum dentre toda a sociedade. Mais cedo em 2019, milhares de brasileiros assistiram aos julgamentos dos pais do menino Bernardo com um único sentimento: fascínio, por mais que mascarado como “vontade de se fazer justiça”. Todo estudante de jornalismo aprende a máxima de que “sexo e sangue” vendem mais do que qualquer outro assunto e isto não é porque todos os editores e jornalistas são sádicos, mas porque entregam ao público aquilo que mais gosta de ver (vide o excelente “O Abutre”, de 2014). É por isso que o primeiro julgamento nacionalmente televisionado dos Estados Unidos foi o de Ted Bundy e é por isso que, mesmo 30 anos após sua morte, novos documentários, livros e filmes são lançados em cima de sua enigmática figura.

Joe Berlinger, diretor deste “A Irreversível Face do Mal” e do razoável documentário sobre Bundy lançado na Netflix, também em 2019, fez uma carreira falando de crimes e julgamentos, atingindo aqui o ápice do apelo comercial ao ter um ator tão badalado como Zac Effron interpretando um criminoso tão badalado como Bundy. E se esta ideia lhe parece estranha a primeira vista - como pareceu para mim - prepare-se para se surpreender, pois Zac Effron está inacreditável. Utilizando de seu já conhecido carisma - característica que, de acordo com todos envolvidos no caso, Bundy também possuía -, o ator desaparece sob seu personagem, adotando diversos dos maneirismos e inclusive torcendo seu rosto da mesma forma que o assassino fazia. É uma performance magnética e obsessivamente atraente que, auxiliada pelo excepcional trabalho de caracterização e maquiagem que deixam o galã quase idêntico à Bundy, subverte quase tudo que havia feito na carreira anteriormente ao mesmo tempo que salva um filme fadado à mediocridade desde seu anúncio.

Pois, bem, além da performance estrondosa de Effron e da consistência da maioria do elenco de apoio - incluindo surpresas agradáveis como o menino de “O Sexto Sentido”, um Jim Parsons sério, e uma Kaya Scodelario funcional -, este filme não tem muito mais a oferecer se não indecisão e bagunça quanto ao que realmente queria mostrar. O roteiro é episódico e, apesar de suceder em criar diálogos naturais e emular momentos marcantes que realmente aconteceram, não consegue dar material o suficiente para que seus personagens virem mais do que dispositivos na vida de Bundy. Fato que é reforçado pela inabilidade de Berlinger de dar forma ao pouco que tinha em mãos, indeciso entre tentar humanizar o monstro e evidenciar o horror de seus atos. Estes, tão excluídos do filme que acabam induzindo o espectador a repensar a própria inocência do assassino.

E isso é a maior, se não única, virtude da direção de Berlinger, que consegue extrair tão bem a dualidade advinda da performance de Effron que por vezes me peguei torcendo, involuntariamente, para que aquele homem fosse inocentado, mesmo conhecendo sua história há um certo tempo. O diretor, inclusive, inclui sutis, mas pontuais e sugestivas tomadas que revelam os sentimentos conflitantes de Bundy perante à sua namorada Liza - interpretada de forma funcional por Lilly Collins, mesmo que muito abaixo de seu parceiro de cena - que vão desde uma mão carinhosa que avalia rapidamente seu pescoço, à resposta de um animal a outro quando colocados frente a frente. Mas falta personalidade em dizer que isso não passava de uma sombria e irônica piada, com o intuito de fazer com que os espectadores que um dia já apoiaram personagens como a Amy de “Garota Exemplar” e o Dr. Hannibal Lecter, de “O Silêncio dos Inocentes”, fossem mais além e se cativassem por um criminoso real.

Não bastasse isso, o longa é editado em excesso e não oferece nada de diferente em seu visual, convencional e quase televisivo, além de empregar uma trilha sonora que além de nada evocativa da época em que fora situada, pouco faz para explorar a tensão que uma história como essa deveria provocar em seu público.

Ainda assim é praticamente impossível não sentir calafrios na cena final, quando Bundy finalmente revela para Liza algo que havia guardado por mais de uma década. Com um close propositalmente longo no olhar de Effron e um diálogo agoniante entre ambos, somos convidados à acreditar que havia muito mais por dentro daquela pessoa que já toma contornos de entidade na cultura popular. Infelizmente, seu filme não foi capaz, ou corajoso o suficiente, para mergulhar de cabeça neste poço de escuridão.

Não vou dizer que não me entretive, mas subtraia Zac Effron da equação e você tem um filme meia boca. Um verdadeiro desperdício.

5.5

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