Crítica | Ilha dos Cachorros
Wes Anderson é uma força criativa inegável. É alguém que dentro de toda inventividade do cinema conseguiu criar uma maneira de dirigir filmes e criar mundos característicos só seus. Em Ilha dos Cachorros, todo detalhismo, simetria, preenchimento de tela metódico, humor simples mas inteligente e personagens interessantes e marcantes construídos com toda paciência possível característicos de Anderson constituem talvez não o melhor filme do diretor, mas com certeza o mais relacionável deles.
Quase 9 anos depois sem trabalhar com animações, onde Wes Anderson deu vida a maravilhosa história do'Fantástico Senhor Raposo, o diretor volta com a mesma fórmula de ''stop-motion'' , ou seja, modelos reais feitos a mão fotografados quadro a quadro para contar a história de Atari Kobayashi, que após o exílio de todos os cães de Megasaki para uma ilha tomada de lixo, parte em busca de seu cão Spots.
Antes de tudo, esse estilo de fazer animação possui uma graciosidade difícil de explicar. O detalhismo, a singularidade de cada filme, os traços diferentes de cada personagem em cada história despertam uma pureza e a tornam mais fascinante do que seriam se feitas inteiramente por computadores.
Distópico, Anderson conta ''Isle of Dogs'' como uma história de resgate e companheirismo mas traz consigo muitos assuntos importantes, como a exclusão e repressão das minorias, que por mais relevantes que sejam, são contados de forma minuciosa no sentido que alavanque e não engula sua história principal, encontrando o balanço ideal entre ser pertinente com suas ideias e ser tocante e encantador de uma forma quase inofensiva.
Anderson optou aqui, por qualquer motivo que tenha devaneado, não usar legendas para os personagens que falam japonês, o que de fato foi arriscado. Alegações de apropriação cultural a parte, e argumentações que o não entendimento do que Atari fala tira um pouco da carga emocional do filme são compreensíveis, mas apesar de tudo, foi uma escolha interessante por parte do diretor. A ideia de inverter os papéis humaniza mais ainda os cachorros do filme e abre espaço para interpretarmos ou nos por no lugar de Atari toda vez que o mesmo está em cena, mas principalmente, e claramente, Wes Anderson queria o máximo de atenção para seus visuais. A parte emocional já havia sido conquistadas por Duke, King, Boss, Rex e Chief.
Cachorros que além de visualmente deslumbrantes contam com um trabalho de voz maravilhoso pelos queridinhos de Wes (Bill Murray, Ed Norton, Harvey Keitel) e algumas novas aparições (Bryan Cranston, Scarlett Johansson, Greta Gerwig), com destaques para Cranston (Chief) e Scarlett (Nutmeg). Chief possui uma audácia, imponência e peso em sua voz que rapidamente despertam interesse e avisam que a maior história de fundo está ali. Por sua vez, Nutmeg traz consigo um ar misterioso e instigante, e os dois juntos além de uma química fatalmente cativante, dão vida a um dos diálogos mais engraçados do filme.
''You just have to imagine that part''
''I can picture it''
Além do destaque para o perfeccionismo visual do filme, os diálogos, por mais simples que sejam, brilham a todo instante. Nenhuma conversa aqui se alonga mais do que precisa. São ideias e palavras rápidas, mas surpreendentemente marcantes, o que é característico de filmes de Wes Anderson.
Ilha dos Cachorros é uma experiência cinematográfica incrível. É arte em sua melhor e mais completa forma. Talvez um dos únicos problemas reais do filme é que seu diretor fez uma animação impecável, mas onde crianças não vão se relacionar como os adultos. Fora isso, o filme não arranca lágrimas mas conquista infinitos sorrisos, e isso é emocionante também.
9,5